J. C. Vilhena Mesquita
A actividade turística no Algarve, a partir de meados da década de sessenta, deixou de ser um fenómeno conjuntural para se transformar, nos dias de hoje, numa das principais fontes de receita da economia regional.
Muito embora se lhe apontem características de sazonalidade, o certo é que se tem vindo a verificar um tendencial crescimento dos índices ocupacionais nas unidades hoteleiras – apesar da oferta ter aumentado a um ritmo, que julgo, demasiado acelerado, para um sector tão susceptível e volúvel como o turismo. Daí que essa tendência se augure tanto mais acentuada quanto o permitirem as relações internacionais, nos domínios da coexistência pacífica, do desenvolvimento económico e da estabilidade socio-laboral.
Sendo o Turismo um conjunto de actividades económicas, emissoras ou receptoras, fundamentadas nas motivações e necessidades que proporcionam a movimentação dos indivíduos no espaço, lógica se torna a sua dependência de factores exógenos, quando provocadores de instabilidade económica, segurança e mobilidade. Demonstra-o o aumento das taxas de juro no Reino Unido, que provocou a diminuição dos fluxos turísticos nos países da Comunidade Britânica e na Europa do Sul. Comprova-o o recente conflito militar no Médio Oriente, que – apesar de breve e circunscrito a determinada região do globo – desencadeou uma onda de insegurança internacional e frustrou as expectativas de mobilidade turística. O resultado está à vista: prejuízos incontáveis, falências, desemprego, etc.
Para obstar a situações como as que acabamos de apontar, sugiro que se comece a pensar na criação de um Banco Europeu do Turismo e de uma Companhia de Seguros do Turismo, em cujo constituição deveriam participar maioritariamente – senão em exclusivo – os países pertencentes à União Europeia. O recurso a estas instituições poderia viabilizar o investimento, diminuir o risco através da análise técnica dos projectos de financiamento e proporcionar a cooperação inter-europeia no estudo dos mercados turísticos. Por outro lado, asseguraria a cobertura dos prejuízos resultantes de hipotéticas calamidades, do tipo ecológico, sísmico ou até epidémico, que fossem causadoras de falências inesperadas ou de desmobilização dos fluxos turísticos.
Mas as crises passam e a actividade turística recompõe-se, quanto mais não seja pela necessidade de lazer e pela intrínseca vontade humana de viajar, comunicar e conhecer.
As alterações políticas verificadas a Leste, indiciam a breve trecho o escalonamento de novos mercados de recepção turística. Por isso, é natural que o turismo, dos anos noventa, se desenvolva numa lógica concorrencial mais diversificada, com rácios de ponderação favorável do tipo cambial ou de simples "novidade". Enfim, ventos de mudança contra os quais nos devemos precaver através de campanhas que infundem a opção pela qualidade, deixando que a melhoria da oferta se compatibilize com o aumento da procura e, assim, se regularizem os mercados.
Não é novidade para ninguém que os índices da quantidade só poderão manter-se pelo aumento da qualidade. E qualidade em turismo significa pureza do ambiente, fruição de espaços livres, sossego, liberdade, exotismo, comodidade, segurança, animação cultural, recreação desportiva, originalidade gastronómica, eficiência de serviços, afabilidade, receptividade, disponibilidade das mais modernas técnicas de comunicação e informação, etc.
Ora, num espaço reduzido como é o Algarve, sujeito às mais diversas pressões dos mercados concorrenciais que lhe estão próximos, não creio que se deva optar pela quantidade, pura e simples, da oferta, sob pena de, num futuro próximo virmos a pôr em causa o próprio ordenamento do turismo. A construção desenfreada e, na maior parte dos casos, inestética poderá vir a tornar-se contraproducente.
Para superar as insuficiências, que de todo o tipo se fazem sentir tanto no sector como na própria região, julgamos que o caminho pelo qual se deverá optar com a maior celeridade será o da formação técnico-profissional e o da investigação científica. Se as autarquias e os organismos responsáveis pelo sector dispusessem de quadros com formação académica especializada muitos destes problemas poderiam ter sido evitados. É na Escola que se prepara e racionaliza o futuro. O investimento na formação profissional e científica garante maior produtividade e rentabilização dos capitais aplicados.
O estabelecimento de protocolos de cooperação e o financiamento de projectos de investigação na Universidade do Algarve, poderá contribuir de forma decisiva para a valorização e desenvolvimento económico do turismo algarvio. A formação académica iniciou-se já na Escola Superior de Gestão Hotelaria e Turismo, integrada na Universidade do Algarve, que irá formar técnicos habilitados com o grau de Bacharelato para laborarem não só nas empresas da região como nas do país em geral.
Turismo e Cultura.
O Algarve como região privilegiada para o turismo não deve descurar a oferta cultural. E isto porque se tem estribado quase exaustivamente na beleza das praias e na amenidade do seu clima, esquecendo-se da estratégia da diversificação para combater a rotina e a saturação.
A animação desportiva tem sido ultimamente uma opção inteligente evidenciada no aumento e valorização dos campos de golfe, “courts” de ténis, centros de equitação, circuitos de manutenção, centros de estágio, etc.
Falta, porém, dar mais ênfase à animação cultural.
Se em termos de procura tem vindo a aumentar a escolha do Algarve para a realização de congressos nacionais e até internacionais, já o mesmo não se poderá dizer quanto à oferta de programas destinados a curtos períodos de férias culturais. E nesse sentido existem vários filões a explorar. Atente-se, por exemplo, nos festivais de música, folclore, gastronomia, exposições, feiras, etc, e pense-se quantos programas de turismo poderiam ter sido elaborados especialmente para esses eventos. O turismo cultural, circunscrito ao Algarve, não dispõe de meios que lhe permitam preencher as férias anuais de quem nos visita, servindo antes para promover deslocações breves para fins específicos, de carácter artístico, cultural ou científico. E no tocante aos prospectos de propaganda turística raros são os que se dedicam exclusivamente à oferta cultural. Constituem uma honrosa excepção os desdobráveis que o Doutor Francisco Lameira tem publicado sob o patrocínio das respectivas edilidades, versando o património arquitectónico algarvio.
Mas mesmo na época alta do Verão são raras as agências de viagens que se dedicam à exploração de roteiros turísticos de índole cultural. As que o fazem utilizam guias sem formação específica que apenas conhecem o trivial nas localidades aonde conduzem os grupos turísticos. Já tive a oportunidade de apreciar a forma como actuam na cidade de Silves, onde os turistas são introduzidos no Castelo ou na Sé Velha sem terem acesso a uma informação histórica segura que lhes permita compreender as origens seculares daqueles imóveis.
Também, para obviar a semelhantes exemplos, seria oportuno que se procedesse à revisão científica dos programas de formação ministrados na Escola Hoteleira, onde temo que se esteja a enveredar pela superficialidade dos antigos "cicerones". A especialização de guias em determinados circuitos ou roteiros turísticos seria também uma opção a não descurar. E o mesmo se poderá dizer das agências de viagens, cujos operadores turísticos nem sempre estão sensibilizados para este tipo de oferta.
O Património Cultural do Algarve.
Falar do património cultural algarvio é, forçosamente, recordar o passado histórico desta região.
Esta afirmação é tão lógica e apriorística que, por vezes, nos leva a esquecer os vectores fundamentais que garantem a sua permanência na nossa memória colectiva, a saber: identificação (que pressupõe investigação histórica), inventariação, protecção, recuperação/conservação, reabilitação, manutenção e revitalização/utilização.
Neste faseamento se decompõe não só o conhecimento como a valorização do legado histórico herdado dos nossos antepassados e que em larga medida contribuem para a formação de uma consciência regional embasada na cultura. Mas para que o mesmo se possa cumprir ou executar teremos sempre que contar com a preponderância da força da decisão. Quem decide o que fazer, onde e como agir na salvaguarda do nosso património cultural? Obviamente o Estado, por intermédio do poder executivo que se faz representar no Instituto Português do Património Cultural, felizmente já disseminado por diversas regiões, de que é exemplo recente o Algarve. Todavia, o pouco que tem feito não raras vezes tem sido alvo de críticas.
Por conseguinte falar de Património Cultural pode traduzir-se numa crítica ao poder político instituído e à sensibilidade cultural de quem usufrui do poder da decisão. Não é essa a minha intenção.
No entanto, não posso deixar de acrescentar que para fomentar a defesa do nosso património é preciso ter pleno conhecimento do espaço geo-cultural em que se acha inserido, possuir um elevado grau de especialização académica, ter espírito de iniciativa para apoiar e/ou implementar projectos de inventariação, contratar técnicos de reconhecida competência para procederem a acções de recuperação, incentivar a investigação histórica e adquirir um bom relacionamento com as autarquias locais, que permita, em consonância das partes, definir qual o aproveitamento, utilização e divulgação pública dos valores patrimoniais de cada concelho.
E digo isto porque os conjuntos históricos ou tradicionais, qualquer que seja a sua classificação técnico-administrativa, a sua dimensão ou diversidade cultural, não podem deixar de ser parte integrante do espaço em que se inserem as sociedades humanas. O património ainda que seja de todos é, em primeiro lugar, das populações que à sua imagem e influência moldaram atitudes e adquiriram identidades próprias.
Defender o património é também zelar pela planificação urbana e pelo ordenamento do território, combater a uniformização e a descaracterização do espaço imobiliário, evitar demolições de edifícios antigos, definir zonas protegidas e adoptar uma política de reanimação dos conjuntos históricos ou tradicionais. Importa aqui esclarecer que por «conjunto histórico ou tradicional» se deve entender um leque muito diversificado de construções ou espaços, nos quais desapareceu ou ainda permanece a ocupação humana ao longo dos séculos.
A identificação do seu valor e reconhecimento cultural só pode ser avaliada pela apreciação arqueológica, histórica, arquitectónica, estética ou sociocultural. São exemplos concretos, as estações arqueológicas, os monumentos ou edifícios religiosos, civis e militares, as cidades, vilas e aldeias de grande tradição histórica e/ou etnográfica, ruas, praças, literatura oral, artesanato, etc, etc.
Nesta tão vasta quanto árdua tarefa de preservar e conhecer o passado tem-se registado alguns exemplos de particular merecimento que importa aqui salientar. Em primeiro lugar, as antigas Comissões de Arte e Arqueologia que em muitas e variadas ocasiões contribuíram para a inventariação dos imóveis de interesse concelhio, impediram demolições arbitrárias, salvaguardaram arquivos, instituíram bibliotecas, fundaram museus, editaram livros e revistas, sugeriram a atribuição de ruas a diversas personalidades locais e, como se tudo isto não bastasse, conseguiram que as Câmaras nos seus orçamentos aumentassem a cabimentação de verbas destinadas à cultura.
Em segundo lugar, saliento o aparecimento das Associações para a Defesa do Património local que despontaram em quase todo o país, não sendo o Algarve uma excepção. Todavia, o facto de em muitos casos conglomerarem mais do que um concelho – julgando-se, assim, mais seguras da sua sobrevivência financeira – originou certas dissenções internas, desmotivações e consequente desmobilização dos seus associados, tornando-se quase imperceptíveis no meio cultural algarvio. A falta de apoios económicos, quer das quotizações dos membros quer das autarquias locais, provocou a estagnação e a inoperância destes órgãos associativos, de que tanto havia a esperar.
Ressalve-se, porém, as actividades da ADIPACNA, de Castro Marim e Vila Real de St.º António que teve o mérito de haver editado a revista «Património e Cultura» (suspensa ao cabo de dez números) que foi a única no género que se publicou nesta província. Também a ADEIPA, dos concelhos de Faro, Olhão São Brás de Alportel e Tavira, que pelo menos editou três livros, merece o nosso realce, apesar de se encontrar actualmente desactivada. Sucedeu-lhe a FARAON que tem desenvolvido várias acções de divulgação e defesa do património farense, cujos resultados positivos não podemos deixar de enaltecer. As suas visitas guiadas pela cidade e concelho de Faro, assim como os processos que ultimamente tem levado a cabo para a classificação de imóveis de interesse público, merecem a nossa admiração pelo esforço e dedicação que os seus dirigentes têm demonstrado.
Resta-nos, felizmente, a empreendedora Delegação Regional do Sul da Secretaria de Estado da Cultura que tem vindo a apoiar diversas iniciativas no âmbito da investigação e da inventariação do património histórico do Algarve. É com o maior apreço e satisfação que aqui fazemos lembrar a publicação de várias obras de reconhecido mérito científico, de entre as quais me permito salientar o Inventário do Barroco no Algarve e os Inventários Artísticos do Algarve, da autoria do Doutor Francisco Lameira, os Tesouros Artísticos do Algarve, pelo Prof. Pinheiro e Rosa, assim como a notável revista, humildemente designada por «Boletim Informativo», onde se deram à estampa com a chancela da SEC alguns importantes estudos sobre o património teatral, musical e das associações culturais algarvias. A edição de estudos regionais, levantamentos arqueológicos e inventários bibliográficos só dignificam a SEC e enaltecem os seus sucessivos Delegados Regionais. Apesar de ser um organismo público, cujo dirigente não é partidariamente isento, o certo é que as acções promocionais da actividade cultural têm dado amplas provas de competência e de prolixidade, que, em boa verdade, estão acima de qualquer crítica.
Relativamente à delegação do IPPC, recentemente instituída em Faro, pouco podemos adiantar de positivo. Começou desde logo por um processo de instalação pouco digno e algo desabonatório. Com efeito ao acomodar-se, ainda que provisoriamente, nos princípios desta década no edifício do Governo Civil, tornou evidente que se tratava de um organismo ao serviço do poder instituído, fragilizado na sua idoneidade política e dependente dos lobbies da construção civil, geralmente patrocinadores dos partidos políticos. O delegado regional não é uma personalidade reconhecida nos meios intelectuais, mostrando-se pouco à vontade no que respeita conhecimento do património algarvio. É nitidamente um funcionário do poder, destinado a instituir uma «paz podre» um complacente «fare niente», que tanto agrada aos políticos. As suas iniciativas têm sido praticamente nulas e muitas vezes atentatórias à própria salvaguarda do património, não tomando atitudes que antagonizem o poder político ou o poder financeiro. Numa região onde os interesses económicos e as influências políticas de certos "lobbies" não costumam enfrentar quaisquer tipos de entraves, não poderia ter-se escolhido melhor delegado para um organismo tão inconveniente como o é, ou como o deveria ser, o IPPAR.
Este processo ocorreu com o PSD, mas é bem verdade que o PS nada fez para se tornar diferente dos seus antecessores. Nada mudou e teme-se até que o clima de «paz podre» se institucionalize nos organismos estatais representados no Algarve. Esse é, aliás, um dos sintomas do entorpecimento centralista a que nos temos vindo a habituar há mais de um século. Talvez a regionalização nos traga melhores dias para «varrer» os incompetentes e poder «arrumar» a casa que é de todos nós.
Entretanto o turismo vai decorrendo pachorrentamente no Algarve, ao sabor das crises de escassez ou dos excessos, degradando-se impunemente o ambiente enquanto se agrava o custo de vida. Os naturais meios de lazer têm sido descurados, assim como se tem placidamente assistido à delapidação do património histórico, obscurecendo os valores culturais que particularizam esta região. As técnicas de atracção turística aplicadas no Algarve são semelhantes às que se utilizam em quase todos os destinos espalhados pelo mundo do turismo de massas. E esse não é certamente o melhor caminho para o caso específico do Algarve. Enquanto não metermos isto na cabeça nada se alterará.
A actividade turística no Algarve, a partir de meados da década de sessenta, deixou de ser um fenómeno conjuntural para se transformar, nos dias de hoje, numa das principais fontes de receita da economia regional.
Muito embora se lhe apontem características de sazonalidade, o certo é que se tem vindo a verificar um tendencial crescimento dos índices ocupacionais nas unidades hoteleiras – apesar da oferta ter aumentado a um ritmo, que julgo, demasiado acelerado, para um sector tão susceptível e volúvel como o turismo. Daí que essa tendência se augure tanto mais acentuada quanto o permitirem as relações internacionais, nos domínios da coexistência pacífica, do desenvolvimento económico e da estabilidade socio-laboral.
Sendo o Turismo um conjunto de actividades económicas, emissoras ou receptoras, fundamentadas nas motivações e necessidades que proporcionam a movimentação dos indivíduos no espaço, lógica se torna a sua dependência de factores exógenos, quando provocadores de instabilidade económica, segurança e mobilidade. Demonstra-o o aumento das taxas de juro no Reino Unido, que provocou a diminuição dos fluxos turísticos nos países da Comunidade Britânica e na Europa do Sul. Comprova-o o recente conflito militar no Médio Oriente, que – apesar de breve e circunscrito a determinada região do globo – desencadeou uma onda de insegurança internacional e frustrou as expectativas de mobilidade turística. O resultado está à vista: prejuízos incontáveis, falências, desemprego, etc.
Para obstar a situações como as que acabamos de apontar, sugiro que se comece a pensar na criação de um Banco Europeu do Turismo e de uma Companhia de Seguros do Turismo, em cujo constituição deveriam participar maioritariamente – senão em exclusivo – os países pertencentes à União Europeia. O recurso a estas instituições poderia viabilizar o investimento, diminuir o risco através da análise técnica dos projectos de financiamento e proporcionar a cooperação inter-europeia no estudo dos mercados turísticos. Por outro lado, asseguraria a cobertura dos prejuízos resultantes de hipotéticas calamidades, do tipo ecológico, sísmico ou até epidémico, que fossem causadoras de falências inesperadas ou de desmobilização dos fluxos turísticos.
Mas as crises passam e a actividade turística recompõe-se, quanto mais não seja pela necessidade de lazer e pela intrínseca vontade humana de viajar, comunicar e conhecer.
As alterações políticas verificadas a Leste, indiciam a breve trecho o escalonamento de novos mercados de recepção turística. Por isso, é natural que o turismo, dos anos noventa, se desenvolva numa lógica concorrencial mais diversificada, com rácios de ponderação favorável do tipo cambial ou de simples "novidade". Enfim, ventos de mudança contra os quais nos devemos precaver através de campanhas que infundem a opção pela qualidade, deixando que a melhoria da oferta se compatibilize com o aumento da procura e, assim, se regularizem os mercados.
Não é novidade para ninguém que os índices da quantidade só poderão manter-se pelo aumento da qualidade. E qualidade em turismo significa pureza do ambiente, fruição de espaços livres, sossego, liberdade, exotismo, comodidade, segurança, animação cultural, recreação desportiva, originalidade gastronómica, eficiência de serviços, afabilidade, receptividade, disponibilidade das mais modernas técnicas de comunicação e informação, etc.
Ora, num espaço reduzido como é o Algarve, sujeito às mais diversas pressões dos mercados concorrenciais que lhe estão próximos, não creio que se deva optar pela quantidade, pura e simples, da oferta, sob pena de, num futuro próximo virmos a pôr em causa o próprio ordenamento do turismo. A construção desenfreada e, na maior parte dos casos, inestética poderá vir a tornar-se contraproducente.
Para superar as insuficiências, que de todo o tipo se fazem sentir tanto no sector como na própria região, julgamos que o caminho pelo qual se deverá optar com a maior celeridade será o da formação técnico-profissional e o da investigação científica. Se as autarquias e os organismos responsáveis pelo sector dispusessem de quadros com formação académica especializada muitos destes problemas poderiam ter sido evitados. É na Escola que se prepara e racionaliza o futuro. O investimento na formação profissional e científica garante maior produtividade e rentabilização dos capitais aplicados.
O estabelecimento de protocolos de cooperação e o financiamento de projectos de investigação na Universidade do Algarve, poderá contribuir de forma decisiva para a valorização e desenvolvimento económico do turismo algarvio. A formação académica iniciou-se já na Escola Superior de Gestão Hotelaria e Turismo, integrada na Universidade do Algarve, que irá formar técnicos habilitados com o grau de Bacharelato para laborarem não só nas empresas da região como nas do país em geral.
Turismo e Cultura.
O Algarve como região privilegiada para o turismo não deve descurar a oferta cultural. E isto porque se tem estribado quase exaustivamente na beleza das praias e na amenidade do seu clima, esquecendo-se da estratégia da diversificação para combater a rotina e a saturação.
A animação desportiva tem sido ultimamente uma opção inteligente evidenciada no aumento e valorização dos campos de golfe, “courts” de ténis, centros de equitação, circuitos de manutenção, centros de estágio, etc.
Falta, porém, dar mais ênfase à animação cultural.
Se em termos de procura tem vindo a aumentar a escolha do Algarve para a realização de congressos nacionais e até internacionais, já o mesmo não se poderá dizer quanto à oferta de programas destinados a curtos períodos de férias culturais. E nesse sentido existem vários filões a explorar. Atente-se, por exemplo, nos festivais de música, folclore, gastronomia, exposições, feiras, etc, e pense-se quantos programas de turismo poderiam ter sido elaborados especialmente para esses eventos. O turismo cultural, circunscrito ao Algarve, não dispõe de meios que lhe permitam preencher as férias anuais de quem nos visita, servindo antes para promover deslocações breves para fins específicos, de carácter artístico, cultural ou científico. E no tocante aos prospectos de propaganda turística raros são os que se dedicam exclusivamente à oferta cultural. Constituem uma honrosa excepção os desdobráveis que o Doutor Francisco Lameira tem publicado sob o patrocínio das respectivas edilidades, versando o património arquitectónico algarvio.
Mas mesmo na época alta do Verão são raras as agências de viagens que se dedicam à exploração de roteiros turísticos de índole cultural. As que o fazem utilizam guias sem formação específica que apenas conhecem o trivial nas localidades aonde conduzem os grupos turísticos. Já tive a oportunidade de apreciar a forma como actuam na cidade de Silves, onde os turistas são introduzidos no Castelo ou na Sé Velha sem terem acesso a uma informação histórica segura que lhes permita compreender as origens seculares daqueles imóveis.
Também, para obviar a semelhantes exemplos, seria oportuno que se procedesse à revisão científica dos programas de formação ministrados na Escola Hoteleira, onde temo que se esteja a enveredar pela superficialidade dos antigos "cicerones". A especialização de guias em determinados circuitos ou roteiros turísticos seria também uma opção a não descurar. E o mesmo se poderá dizer das agências de viagens, cujos operadores turísticos nem sempre estão sensibilizados para este tipo de oferta.
O Património Cultural do Algarve.
Falar do património cultural algarvio é, forçosamente, recordar o passado histórico desta região.
Esta afirmação é tão lógica e apriorística que, por vezes, nos leva a esquecer os vectores fundamentais que garantem a sua permanência na nossa memória colectiva, a saber: identificação (que pressupõe investigação histórica), inventariação, protecção, recuperação/conservação, reabilitação, manutenção e revitalização/utilização.
Neste faseamento se decompõe não só o conhecimento como a valorização do legado histórico herdado dos nossos antepassados e que em larga medida contribuem para a formação de uma consciência regional embasada na cultura. Mas para que o mesmo se possa cumprir ou executar teremos sempre que contar com a preponderância da força da decisão. Quem decide o que fazer, onde e como agir na salvaguarda do nosso património cultural? Obviamente o Estado, por intermédio do poder executivo que se faz representar no Instituto Português do Património Cultural, felizmente já disseminado por diversas regiões, de que é exemplo recente o Algarve. Todavia, o pouco que tem feito não raras vezes tem sido alvo de críticas.
Por conseguinte falar de Património Cultural pode traduzir-se numa crítica ao poder político instituído e à sensibilidade cultural de quem usufrui do poder da decisão. Não é essa a minha intenção.
No entanto, não posso deixar de acrescentar que para fomentar a defesa do nosso património é preciso ter pleno conhecimento do espaço geo-cultural em que se acha inserido, possuir um elevado grau de especialização académica, ter espírito de iniciativa para apoiar e/ou implementar projectos de inventariação, contratar técnicos de reconhecida competência para procederem a acções de recuperação, incentivar a investigação histórica e adquirir um bom relacionamento com as autarquias locais, que permita, em consonância das partes, definir qual o aproveitamento, utilização e divulgação pública dos valores patrimoniais de cada concelho.
E digo isto porque os conjuntos históricos ou tradicionais, qualquer que seja a sua classificação técnico-administrativa, a sua dimensão ou diversidade cultural, não podem deixar de ser parte integrante do espaço em que se inserem as sociedades humanas. O património ainda que seja de todos é, em primeiro lugar, das populações que à sua imagem e influência moldaram atitudes e adquiriram identidades próprias.
Defender o património é também zelar pela planificação urbana e pelo ordenamento do território, combater a uniformização e a descaracterização do espaço imobiliário, evitar demolições de edifícios antigos, definir zonas protegidas e adoptar uma política de reanimação dos conjuntos históricos ou tradicionais. Importa aqui esclarecer que por «conjunto histórico ou tradicional» se deve entender um leque muito diversificado de construções ou espaços, nos quais desapareceu ou ainda permanece a ocupação humana ao longo dos séculos.
A identificação do seu valor e reconhecimento cultural só pode ser avaliada pela apreciação arqueológica, histórica, arquitectónica, estética ou sociocultural. São exemplos concretos, as estações arqueológicas, os monumentos ou edifícios religiosos, civis e militares, as cidades, vilas e aldeias de grande tradição histórica e/ou etnográfica, ruas, praças, literatura oral, artesanato, etc, etc.
Nesta tão vasta quanto árdua tarefa de preservar e conhecer o passado tem-se registado alguns exemplos de particular merecimento que importa aqui salientar. Em primeiro lugar, as antigas Comissões de Arte e Arqueologia que em muitas e variadas ocasiões contribuíram para a inventariação dos imóveis de interesse concelhio, impediram demolições arbitrárias, salvaguardaram arquivos, instituíram bibliotecas, fundaram museus, editaram livros e revistas, sugeriram a atribuição de ruas a diversas personalidades locais e, como se tudo isto não bastasse, conseguiram que as Câmaras nos seus orçamentos aumentassem a cabimentação de verbas destinadas à cultura.
Em segundo lugar, saliento o aparecimento das Associações para a Defesa do Património local que despontaram em quase todo o país, não sendo o Algarve uma excepção. Todavia, o facto de em muitos casos conglomerarem mais do que um concelho – julgando-se, assim, mais seguras da sua sobrevivência financeira – originou certas dissenções internas, desmotivações e consequente desmobilização dos seus associados, tornando-se quase imperceptíveis no meio cultural algarvio. A falta de apoios económicos, quer das quotizações dos membros quer das autarquias locais, provocou a estagnação e a inoperância destes órgãos associativos, de que tanto havia a esperar.
Ressalve-se, porém, as actividades da ADIPACNA, de Castro Marim e Vila Real de St.º António que teve o mérito de haver editado a revista «Património e Cultura» (suspensa ao cabo de dez números) que foi a única no género que se publicou nesta província. Também a ADEIPA, dos concelhos de Faro, Olhão São Brás de Alportel e Tavira, que pelo menos editou três livros, merece o nosso realce, apesar de se encontrar actualmente desactivada. Sucedeu-lhe a FARAON que tem desenvolvido várias acções de divulgação e defesa do património farense, cujos resultados positivos não podemos deixar de enaltecer. As suas visitas guiadas pela cidade e concelho de Faro, assim como os processos que ultimamente tem levado a cabo para a classificação de imóveis de interesse público, merecem a nossa admiração pelo esforço e dedicação que os seus dirigentes têm demonstrado.
Resta-nos, felizmente, a empreendedora Delegação Regional do Sul da Secretaria de Estado da Cultura que tem vindo a apoiar diversas iniciativas no âmbito da investigação e da inventariação do património histórico do Algarve. É com o maior apreço e satisfação que aqui fazemos lembrar a publicação de várias obras de reconhecido mérito científico, de entre as quais me permito salientar o Inventário do Barroco no Algarve e os Inventários Artísticos do Algarve, da autoria do Doutor Francisco Lameira, os Tesouros Artísticos do Algarve, pelo Prof. Pinheiro e Rosa, assim como a notável revista, humildemente designada por «Boletim Informativo», onde se deram à estampa com a chancela da SEC alguns importantes estudos sobre o património teatral, musical e das associações culturais algarvias. A edição de estudos regionais, levantamentos arqueológicos e inventários bibliográficos só dignificam a SEC e enaltecem os seus sucessivos Delegados Regionais. Apesar de ser um organismo público, cujo dirigente não é partidariamente isento, o certo é que as acções promocionais da actividade cultural têm dado amplas provas de competência e de prolixidade, que, em boa verdade, estão acima de qualquer crítica.
Relativamente à delegação do IPPC, recentemente instituída em Faro, pouco podemos adiantar de positivo. Começou desde logo por um processo de instalação pouco digno e algo desabonatório. Com efeito ao acomodar-se, ainda que provisoriamente, nos princípios desta década no edifício do Governo Civil, tornou evidente que se tratava de um organismo ao serviço do poder instituído, fragilizado na sua idoneidade política e dependente dos lobbies da construção civil, geralmente patrocinadores dos partidos políticos. O delegado regional não é uma personalidade reconhecida nos meios intelectuais, mostrando-se pouco à vontade no que respeita conhecimento do património algarvio. É nitidamente um funcionário do poder, destinado a instituir uma «paz podre» um complacente «fare niente», que tanto agrada aos políticos. As suas iniciativas têm sido praticamente nulas e muitas vezes atentatórias à própria salvaguarda do património, não tomando atitudes que antagonizem o poder político ou o poder financeiro. Numa região onde os interesses económicos e as influências políticas de certos "lobbies" não costumam enfrentar quaisquer tipos de entraves, não poderia ter-se escolhido melhor delegado para um organismo tão inconveniente como o é, ou como o deveria ser, o IPPAR.
Este processo ocorreu com o PSD, mas é bem verdade que o PS nada fez para se tornar diferente dos seus antecessores. Nada mudou e teme-se até que o clima de «paz podre» se institucionalize nos organismos estatais representados no Algarve. Esse é, aliás, um dos sintomas do entorpecimento centralista a que nos temos vindo a habituar há mais de um século. Talvez a regionalização nos traga melhores dias para «varrer» os incompetentes e poder «arrumar» a casa que é de todos nós.
Entretanto o turismo vai decorrendo pachorrentamente no Algarve, ao sabor das crises de escassez ou dos excessos, degradando-se impunemente o ambiente enquanto se agrava o custo de vida. Os naturais meios de lazer têm sido descurados, assim como se tem placidamente assistido à delapidação do património histórico, obscurecendo os valores culturais que particularizam esta região. As técnicas de atracção turística aplicadas no Algarve são semelhantes às que se utilizam em quase todos os destinos espalhados pelo mundo do turismo de massas. E esse não é certamente o melhor caminho para o caso específico do Algarve. Enquanto não metermos isto na cabeça nada se alterará.
Nota - texto da Conferência proferida no Congresso de Turismo, realizado em Vilamoura
~mt bom adorei e tão interessante minha nossa
ResponderEliminarObrigado pelas suas palavras; gostava que se associasse ao meu blogue.
ResponderEliminarParabéns pelo artigo, sou algarvia e estudante de História e não posso deixar admirar o seu trabalho!
ResponderEliminarParabéns pelo artigo, sou algarvia e estudante de História e não posso deixar admirar o seu trabalho!
ResponderEliminarOlá Carla
ResponderEliminarMuito obrigado pelas suas amáveis palavras. Não sei se está a estudar na Universidade do Algarve, mas se não for o caso poderá contactar-me por email sempre que precisar da minha ajuda.
Gostaria que se associasse aos meus blogues. Não sei se já visitou o meu blogue «Promontório da Memória». Talvez tenha interesse para os seus trabalhos, ainda que seja apenas de curiosidades.
Cumprimentos do José Mesquita