quinta-feira, 2 de julho de 2009

O Jornalismo e o Ensino

por José Carlos Vilhena Mesquita*

Os caminhos da imprensa são cada vez mais insondáveis e imprevisíveis. E um dos maiores equívocos da actualidade é tentar ensinar nas escolas, ditas superiores, aquilo que é suposto considerar-se um dom da natureza: a arte da escrita. Centenas de jovens frequentam hoje os Cursos Superiores de Comunicação Social, de onde saem habilitados a desenvolver uma profissão cada vez mais estereotipada e cada vez menos intelectualizada.
Nos jornais, e principalmente na televisão e na rádio, campeia uma confrangedora mediocridade de “jornalistas de plástico”, modelados numa concepção robotisada da imprensa, que pouco ou nada tem a ver com as artes da escrita. As suas aptidões não brotam do fundo da alma nem irradiam cristalinos talentos mineralizados pela natureza genética. O jornalista deixou de ser um artista da palavra, um comunicador de valores, de princípios éticos e de elementos formativos do espírito intelectual e dos direitos de cidadania. As colunas dos periódicos eram a antecâmara do escritor, cuja obra literária acabaria por eclodir como fruto natural das suas inatas qualidades para a arte da escrita. Ao contrário de tudo isso, hoje o jornalista é um produto marketizado pela escola, que faz a informação com régua e esquadro, seguindo os cânones e perseguindo os modelos da CNN, da NBC, ESPN, CBS ou da BBC.
Repare-se que actualmente os jornalista já não são “opinion makers”, deixando essa função aos colaboradores especializados, geralmente oriundos do mundo universitário. Mas ainda há bem pouco tempo era assim com Francisco Pinto Balsemão e José António Saraiva, do Expresso, com Mário Mesquita, do Diário de Notícias, ou com Joaquim Letria, Miguel Sousa Tavares, José Carlos de Vasconcelos, Marcelo Rebelo de Sousa, Fernando Dacosta, etc.
Ser-se jornalista não é saber falar para o microfone radiofónico nem para as câmaras televisivas. Ser-se jornalista é saber escrever. E isso não se ensina, quando muito apura-se, porque o “dom” da escrita nasce com o ser humano, como uma dádiva da natureza.
É um erro grosseiro considerar-se jornalista aquele que apenas cumpriu um plano curricular universitário durante um determinado período e que em seguida estagiou na redacção dum jornal nacional ou regional. A sua primeira constatação é a de que, na verdade, não foi devidamente preparado para desempenhar essa profissão, porque se as ideias afloram ao cérebro já o mesmo não acontece com a escrita que tarda em afluir ao papel. É que o exercício da escrita, mesmo para os dotados, além de ser lento, pensado, reflectido, estruturado e lógico, tem de ser ético e estético. E para isso é preciso possuir o dom com que a natureza bafeja os mais aptos. Certamente será um apuramento genético que estará por detrás dessas inatas qualidades. Mas também há que descobri-las a tempo por forma a evitarem-se os equívocos a que temos vindo a assistir com os nossos jovens, que tentam a todo o transe frequentar os cursos que lhes garantam maiores proventos económicos (como a Medicina ou a Arquitectura), sem que para isso demonstrem a menor vocação. Os cursos de comunicação social estão na moda pelo efeito da imitação que nos jovens provoca a televisão, onde todos os rostos mediáticos são considerados jornalistas. Puro erro. Se lhes pedirmos um artigo de duas páginas ou não são capazes de o fazer ou demoram uma semana a conclui-lo. Falta-lhes a capacidade natural da escrita. Mas são jornalistas. O equívoco é esse. As nossas escolas são meros infantários, que gozam da conivência do próprio governo, pois que o objectivo da instituição consiste na ocupação dos filhos enquanto os pais trabalham. Esta é a mais trágica das realidades. Ninguém quer saber se, na realidade, o seu tempo está a ser bem empregue e melhor aproveitado. O que os pais pretendem é que os seus filhos estejam ocupados nos bancos da escola e longe das ruas, onde campeia o vício e se instalou a insegurança
Lamentavelmente a maioria dos alunos que pretendem frequentar as Escolas de Comunicação Social não têm noção se são efectivamente capazes de alinhavar uma notícia ou um simples ensaio de vinte linhas. Essas Escolas deveriam poder gozar dum estatuto especial de selecção dos candidatos por forma a evitar que os alunos optassem por esses cursos sem a mais pequena vocação. Julgo que à Escola Superior de Belas Artes só se candidatam os jovens com apetência para as artes, que precocemente revelem qualidades inatas para o desenho, para a pintura ou para a escultura. Quem não sabe já desenhar não vai propriamente aprender a fazê-lo nas Belas Artes, visto que aí irá principalmente despertar os sentidos para a percepção das formas, da luz e das cores, ao mesmo tempo que aperfeiçoa as suas qualidades naturais para o rigor do traço, o equilíbrio das forças e a proporção dos volumes. Em boa verdade, a Escola (no sentido institucional do termo) prepara os jovens de uma forma interdisciplinar para enfrentar, com algum conhecimento de causa, os principais problemas que o rodeiam. É nessa altura que os professores devem aperceber-se nas intrínsecas apetências dos seus alunos para as artes da escrita, do espírito e das formas.
Os professores apercebem-se que alguns alunos têm qualidades para o desenho, para a música, para a escrita e até para a representação cénica. Nessa altura deverão aconselhá-los a seguir uma formação tanto quanto possível integrada e especializada no aperfeiçoamento dessas qualidades. Mas infelizmente os professores concentram as suas preocupações no cumprimentos dos currículos escolares, restando-lhes pouco tempo para cuidar, desenvolver e incentivar as naturais apetências dos seus alunos. E não conhecendo os docentes as instituições dificilmente poderão aconselhar os seus alunos a tomar o rumo para o qual aponta o seu talento.


* Presidente da Associação dos Jornalistas e Escritores do Algarve
Nota: este artigo foi publicado em diferentes jornais, por solicitação dirigida ao autor

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