segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O Monografismo Algarvio - O pioneirismo de Ataíde Oliveira

Este artigo corresponde a uma conferência pronunciada na Biblioteca Municipal de Loulé a 30 de Novembro de 2005,aquando das comemorações do 90.º aniversário do falecimento do Dr. Francisco Xavier de Ataíde Oliveira. O texto, depois de melhorado, foi publicado na revista Al-Ulyà, órgão científico do Arquivo Municipal de Loulé, cuja edição sai a público sob a chancela da respectiva edilidade.
O leitor interessado poderá ler o texto neste blog, ou fazer o seu download para posterior utilização.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Da Extinção à Restauração do concelho de Aljezur nos finais do séc. XIX

O antigo ordenamento administrativo português tornara-se, no decurso dos séculos, numa imbricada confusão de concelhos, vilas coutos e honras, a que ninguém ousava pôr cobro. Era uma herança da História que só uma revolução das mentalidades, como aquela que resultaria da vitória liberal em 1834, poderia alterar. Esse foi um princípio de honra e compromisso político do novo regime. Teorizada por José Henriques Nogueira, esboçado por Mouzinho da Silveira mas levada à prática por Manuel da Silva Passos, a Reforma Administrativa exarada no decreto de 6-11-1836 exterminou os coutos da Igreja, as vilas e honras da Nobreza, e reduziu a menos de metade os concelhos então existentes. Não vamos agora dissecar o assunto. Em todo o caso, para se fazer uma ideia do seu profundo alcance, bastará dizer que dos 816 concelhos então existentes apenas se mantiveram 351, dos quais o Algarve foi uma pseudo-vítima. Na verdade, dos 17 concelhos que o Algarve possuía apenas se extinguiram quatro, a saber: Alvor, Sagres, Aljezur e Castro Marim. Das suas 68 freguesias reduziram-se-lhe duas: N.ª S.ª do Verde, em Monchique, e S. João da Venda, em Faro, a qual se restabeleceria em 1842, mas no concelho de Loulé. Com Aljezur passou-se algo inusitado, pois que estando previsto fundir-se no concelho de Lagos acabaria por ser anexado a Monchique, o que causava grandes transtornos aos seus moradores. 

sábado, 17 de outubro de 2009

A localização do aeroporto de Faro, escolhida em 1945 por Humberto Delgado

J. C. Vilhena Mesquita

Em Janeiros de 1945 o então governador civil de Faro, Dr. Antero Cabral, reuniu-se em Lisboa no Secretariado de Aeronáutica Civil, dirigido pelo então tenente-coronel Humberto Delgado, cujos estudos realizados nos EUA na área da sua especialidade lhe proporcionaram a precoce promoção a general, tornando-se no mais jovem caudilho militar da Europa. Todos o conhecemos hoje no proscénio da História como o “general sem medo”, pela sua audaciosa candidatura à presidência da República em 1958, cuja derrota eleitoral, fabricada pelos esbirros do regime, o transformaram num proscrito e três anos depois no celebérrimo sacrificado da sanha fascista, assassinado numa emboscada da PIDE.
Mas em 1945 era ainda um delfim do regime salazarista e um promissor quadro da Aeronáutica Civil, cujo futuro político ninguém imaginava tão transviado. Nessa sua reunião com o Governador Civil de Faro, confidenciou-lhe que estavam a realizar-se importantes estudos no sentido de dotar a cidade de Faro com um grande aeródromo de carácter internacional. Conforme estudos prévios, deveria ser construído nos vastos terrenos da Arábia, situados na actual freguesia do Montenegro, local esse onde já costumavam aterrar alguns aviões, naturalmente pequenos e de origem militar. Cumpria-se assim uma das promessas proferidas no seu acto de posse como director do Secretariado de Aeronáutica Civil, ou seja, a construção de aeródromos em cidades estratégicas do país, para servir a defesa militar e o desenvolvimento económico das regiões do interior.
O Governador Civil de Faro, que era um homem sério e bastante ponderado, ficou muito impressionado com a presença de espírito e capacidade de trabalho do tenente-coronel Humberto Delgado, dedicando-lhe, em conversas privadas no Café Aliança, os mais rasgados elogios. Aliás, em declarações à imprensa local o Dr. Antero Cabral afirmaria: “O sr. Tenente-coronel Humberto Delgado, ilustre e grande amigo do Algarve que por várias vezes tem visitado, pessoa de raro dinamismo, cuja acção todo o país está acompanhando com o mais decidido interesse, cumpre desta forma a promessa que fizera no seu discurso de posse.”
Na verdade, um mês depois dessa reunião, o Governador Civil de Faro recebeu a 12-2-1945 um telegrama do director do Secretariado da Aeronáutica Civil, comunicando-lhe ter sido aprovada a construção dum campo de aviação no sítio da Arábia, concelho de Faro, a fim de dotar o sul do país de ligações aérea internacionais. No mesmo telegrama se informa que foram solicitados ao Ministério das Obras Públicas e Comunicações a elaboração do respectivo projecto para poder avançar rapidamente com a sua construção.
Em Fevereiro de 1946 o Gabinete Técnico dos Aeródromos Civis, informou o Governo Civil que se encontrava quase concluído o projecto de construção do campo de aviação no sítio da Arábia. Por sua vez, o governo reconhecendo o interesse público de um aeródromo em Faro, aprovou o decreto-lei n.º 36067 de 30-12-1946, através do qual a Câmara Municipal passaria a liderar o processo de expropriação dos terrenos e execução das obras de construção daquele equipamento, na parte aplicável ao dec. Lei n.º 28797 de 1-7-1938 com as alterações constantes no decreto n.º 35831 de 27-8-1946. Foram estes os documentos oficiais que deram ao município a autoridade de partir para a expropriação ou aquisição dos terrenos tendentes à construção do aeródromo. Mas factores de ordem económica e muita burocracia à mistura, forçaram o atraso das obras. Com o decorrer do tempo e o desenvolvimento da aviação comercial, revelou-se o turismo num sector a privilegiar, razão pela qual entendeu o governo que o aeródromo de Faro se deveria transformar num aeroporto internacional, equipamento de estrutural importância para o desenvolvimento económico do Algarve, o qual cujas obras estariam definitivamente concluídas em 1965. A sua inauguração efectuou-se com toda a pompa e circunstância, mas isso será objecto de análise numa “nótula” posterior.

Humberto Delgado, envolvido numa capa oferecida por um estudante, discursando junto ao monumento a Carvalho Araujo, durante a sua campanha eleitoral, na cidade de Vila Real, em 22 Maio de 1958

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O Remexido e a Resistência Miguelista no Algarve

Desenvolvida análise do trajecto de vida de José Joaquim de Sousa Reis, vulgo o Remexido, não só como heróico guerrilheiro miguelista, mas também como cidadão, como político local e como militar. Artigo científico sobre a acção político-militar de José Joaquim de Sousa Reis, herói popular que o vulgo designava por Remexido, famoso guerrilheiro que sustentou a causa miguelista até ao fim do período histórico conhecido por Setembrimo. Foi, e ainda é, uma das mais carismáticas figuras da história regional algarvia, retratado em diversas obras da literatura portuguesa, desde o séc. XIX até à actualidade.
O leitor interessado pode ler ou fazer o dowload, em formato PDF, deste trabalho publicado da revista «Al-'Ulyà», editada pelo Arquivo Municipal de Loulé. A sua leitura pode ser proveitosa até mesmo para os que se sentem menos familiarizados com a temático das Lutas Liberais no nosso país.

História das Pescas em Tavira no século XIX

Devido à riqueza piscícola das águas algarvias e ao fomento da pesca pelas artes fixas, sem esquecer os privilégios reais que andavam adstritos aos seus Compromissos Marítimos, acentuou-se nesta região a actividade piscatória, com visível relevo a partir da política de fomento levada a cabo pelo Marquês de Pombal. A fundação de companhias de pesca facilitou a sobrevivência económica da classe marítima, gerando-se por sua consequência o aumento da produção e captura do pescado, com particular incidência na sardinha e no atum, do que resultaria, inclusivamente, o povoamento de algumas praias sotaventinas, como, por exemplo, Cabanas e Santa Luzia, ambas em Tavira, Fuseta e Olhão, cujos habitantes se empregavam afanosamente nas pescarias de longo curso, nomeadamente nos mares de Larache. E foi a intensificação da pesca na costa africana que acelerou as migrações sazonais dos marítimos algarvios.
A pesca e os seus avultados rendimentos marcaram decisivamente toda a História do Algarve, desde os tempos mais remotos até ao presente, com particular acento no início da política pombalina, que fez do sotavento e da foz do Guadiana o seu principal centro de polarização económica. A concentração demográfica na faixa litoral explica-se, quase exclusivamente pela riqueza e afabilidade destas águas, em cujos portos fundeavam embarcações oriundas dos mais variados quadrantes do globo.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

A JUVENTUDE e a EDUCAÇÃO – da política da cigarra ao sacrifício da formiga


José Carlos Vilhena Mesquita

O conceito de Juventude, pela sua complexidade psico-fisiológica, é muito vasto e de difíceis contornos. Porém, é hoje consensual que o seu escalão etário oscila entre os 15 e os 24 anos, qualquer que seja o estatuto social, religioso e cultural em que se insere. Num cômputo universal o espectro etário da juventude está avaliado em 1092 milhões de pessoas, metade das quais já constituíram família ou estarão prestes a mudar de estatuto social. A maioria desses jovens vive em países subdesenvolvidos, inseridos na esfera de influência económica do chamado terceiro-mundo. Vivem em zonas rurais, com particular incidência na África, a sul do Saara, no sudoeste asiático e na Oceânia. Neste espectro humano cerca de 65 milhões do sexo masculino e 106 do feminino não sabem ler nem escrever, e pertencem a países pobres. Acresce a esta estimativa cerca de 95 milhões de jovens desempregados, sendo certo que em todo o mundo as taxas de desemprego entre os jovens é duas vezes superior à dos adultos.
Em Portugal cerca de 80% da população possui a educação básica e só a restante ascende aos níveis superiores de instrução especializada. A percentagem respeitante ao sector da Juventude ronda os 30% da população residente, a maioria dos quais ocupados nos diversos sectores produtivos. Uma minoria dessa percentagem termina a sua fase de juventude nos bancos das universidades. Com efeito, 70% da população portuguesa com idades compreendidas entre os 15 e os 29 anos possui a instrução básica. Note-se que a escolaridade obrigatória estabelece-se desde o ensino primário até ao 9.º ano, passando a prescindir dessa obrigatoriedade a partir dos 15 anos, traduzindo-se a experiência dos últimos anos numa escala sempre crescente de incomplementaridade das expectativas nacionais de formação mínima educativa.

A política da paixão socialista

Nestes últimos anos, os governos elegeram a educação como prioridade máxima nacional, propagandeando mesmo uma espécie de “paixão política” que marcaria o sentido nacional e os Orçamentos Gerais do Estado. Se efectivamente consistiu num investimento ou num simples processo de aplicação financeira, acumulador do índice da despesa nacional, é o que veremos na próxima década, sendo minha convicção que a verdade deverá encontrar-se a meio caminho das expectativas criadas pela máquina da propaganda nacional. Contudo, muito se irá alterar com a suposta panaceia de Bolonha, que, não melhorando o ensino nem desenvolvendo a ciência, terá certamente o positivo desfecho de poupar ao Estado muitos dos milhões de euros que até agora investia na Educação. Esperemos que as propinas baixem 25% do seu valor actual, porque é nessa percentagem que vai diminuir o tempo de frequência nas licenciaturas.
O grande defeito do actual processo de educação nacional está na estratégia de avaliação das expectativas gerais, que infelizmente se nivela pelos mais baixos índices, o que forçosamente cavará um fosso cada vez maior entre as camadas instruídas e a mediocridade, à qual sobeja mesmo a mais elementar consciência cívica. O problema agudizou-se quando a mediocridade impante se aventurou à conquista dos partidos políticos, infiltrando-se nas chefias para sub-repticiamente empalmar o poder. Aquilo a que chamo a mediocridade aventureira expulsou da senda política e das esferas do poder os homens de bem, os mais instruídos e melhor intencionados, os mais honrados, impolutos e desinteressados das sinecuras da governança.
O exemplo do Ministério da Educação é paradigmático. Instalaram-se nos diversos gabinetes daquele Ministério uma clique de funcionários, especializados em Ciências da Educação e “coisas” afins, de que foi particular exemplo o Prof. Marçal Grilo, que foi quem no último quarto de século timonou a nau educativa da nação portuguesa. Os resultados estão à vista, mas parece que não têm sido os mais animadores. É o que acontece quando se misturam os interesses partidários com os interesses da Nação, e os rasteiros valores da política com a suprema grandeza da Ciência.

A educação auto-sustentada e a instrução popular

Pela experiência acumulada, nos mais de vinte anos que dedico à docência universitária, constato que raros são os alunos que leram integralmente uma obra de Camilo Castelo Branco, de Eça de Queirós, de Vitorino Nemésio ou de Jorge de Sena. Quando muito ouviram falar desses autores ou leram deles alguns textos, breves e parcelares, ficando na total ignorância em relação às suas obras.
Urge pois proceder à alfabetização cultural da nação portuguesa, não só através duma educação auto-sustentada, como principalmente dum programa nacional de instrução das massas laborais, urbanas e rurais. O processo educativo deve contemplar não só os jovens estudantes, como também as classes etárias intermédias ou produtivas. Aos desempregados deverá ser dada prioridade num programa de formação intelectual e de reaprendizagem da vida produtiva. Aos idosos deverá ser franqueada a entrada nas universidades para obterem cursos reais e efectivos, e não apenas a simples ocupação dos tempos livres nas designadas Universidades da Terceira Idade.
É fácil incutir não só nos jovens como nas classes adultas uma educação autodidáctica, estribada na observação e na análise superficial, a qual poderá vir a ser consolidada por um acompanhamento de leituras educativas a preços controlados e acessíveis. O Estado precisa de optar urgentemente por uma política do Livro, que facilite a edição a baixo custo e proporcione o consumo e a popularização da leitura. Daqui resultará uma política de defesa e valorização da língua portuguesa, uma divulgação e fomento da leitura pelo prazer da descoberta autodidáctica dos grandes valores da literatura nacional.
Em paralelo impõe-se uma política de familiarização dos estudantes e da classe média com a música, com a herança etnográfica do nosso património etnomusical, das danças e cantares, dos instrumentos e dos sons. Por outro lado, parece-me implícita a educação da preservação dos valores identificativos, como é o caso do património histórico, arquitectónico, artístico e cultural. A preservação e fruição dessa riqueza nacional não devem ser pertença exclusiva dos mais instruídos, mas antes da população em geral, através de uma política de divulgação e, vamos lá, do incentivo ao orgulho de ser português, na justa proporção do nosso contributo universal e da nossa rudimentar inserção europeia.

A gestão das prioridades

A viabilização deste programa de articulação da Cultura com a Educação deverá ser um dos prioritários objectivos do Estado. A “gestão das prioridades” em que se deve articular essa relação Cultura/Educação é que se tornará no principal papel do Estado, em sintonia com os poderes locais e com as Organizações Não Governamentais. Há, talvez, que voltar a recuperar o que é genuíno – não o que é fundamental – o que é caracteristicamente lusíada e tudo aquilo que constituem valores clássicos do humanismo ocidental, sem contudo marginalizar as vanguardas experimentais que optam por outras vias de criação, não divergente nem contrárias aos interesses gerais. Errado seria ver no vanguardismo a prioridade nacional em nome da livre criação artística e do subsídio-dependentismo, o qual forçosamente resultará em detrimento dos objectivos globais da educação, os quais julgamos que devem embasar numa solidez intelectual construída a partir da leitura dos autores e das obras em que se consubstanciou, ao longo dos séculos, a cultura portuguesa.
É preferível nas idades de formação intelectual ler Bernardim Ribeiro, Camões ou Cesário Verde, do que os poetas e escritores simbolistas, modernistas, surrealistas ou existencialistas, cujo discernimento socio-filosófico só se poderá aquilatar depois de adquirida uma sólida cultura geral. Nessa altura a descoberta dos movimentos vanguardistas tornar-se-à mais positiva e mais inteligível para o leitor, pois que está mais receptivo à aquisição da diferença e da mudança.
Nas escolas é preciso induzir os jovens à leitura sem que isso constitua necessariamente uma obrigação ou um parâmetro de avaliação exclusiva, o qual se deverá basear na liberdade de opção e de auto-análise. O aluno conforme a sua classe etária deverá ler quatro a cinco obras, de prosa ou de poesia por ano, para ir consolidando a sua instrução auto-sustentada. O recurso à memorização dos factos históricos, das regras gramaticais, dos basilares teoremas matemáticos e de certas fórmulas químicas, tem de ser exigido através duma maior responsabilização do aluno. As exigências de trabalho, de sacrifício e de competência, assim como as penalizações e reprovações terão de ser restabelecidas sem receio de atingirem índices elevados, de forma a criarmos novas gerações de excelência e de inquestionável responsabilidade cívica.

A defesa da língua e o combate à iliteracia

A forma pouco polida, descuidada, agressiva e despudorada como se tem usado a língua portuguesa, nomeadamente nos meios de comunicação social, quer por parte dos jornalistas, quer por parte dos artistas, escritores e políticos, é sintoma da nossa crescente iliteracia e da nossa progressiva insuficiência intelectual. Essa imagem de incompetência no elementar uso da linguagem tem contribuído em larga escala para o rebaixamento dos níveis de qualidade e de erudita aplicação da comunicação integrada. Cada vez mais se desvaloriza e se corrompe a língua portuguesa, através da introdução de estrangeirismos e de descabidos neologismos.
O regular ordenamento da expressão oral e, sobretudo, a exigente composição da escrita, contribuirá para o aperfeiçoamento do diálogo, da erudição e da respeitabilidade social. Só através do correcto uso da capacidade de expressão é que se poderá explanar a superioridade do pensamento. Pensa melhor quem traduz melhor, ou seja, as ideias poderão ser tanto ou melhor adquiridas quanto mais esclarecida e cristalina se tornar a comunicação. Para isso urge aperfeiçoar as capacidades de escrita nas classes estudantis. Isso adquire-se e entranha-se através da leitura que melhor se adapta ao seu nível etário e intelectual.
Lembro-me que no passado houve tentativas de popularização da cultura e da instrução através da edição de livros a baixo preço, com um discurso acessível, sintetizado e explícito. Foram disso exemplo a «Colecção Cosmos» e os «Cadernos da Seara Nova». Através deles aprenderam gerações de portugueses sem recursos financeiros para ocuparem os bancos universitários. O esforço de Bento de Jesus Caraça é paradigma desse programa de autodidactismo das classes trabalhadoras. Também por esse caminho fizeram ligeiras incursões alguns espíritos superiores como António Sérgio, Jaime Cortesão, Raul Proença e outros “searistas” ou “presencistas”.
O que acontece actualmente é que os alunos quando chegam às Universidades têem uma propensão natural para o generalismo, pois que assim foram treinados nos anos anteriores, com recurso ao ensino das línguas, da Filosofia, das Humanidades e das Ciências Exactas. O seu intelecto mostra-se disposto a derramar a atenção por várias matérias. Porém, na Universidade é logo conduzido para a focalização científica, para a especialização e para o particularismo. Desse modo contrai-se a sua avidez de aprendizagem, secciona-se e fulcraliza-se a sua formação científica em aspectos exclusivamente relacionados com a sua área de formação. Daí que os cursos das chamadas Ciências Exactas ou das Ciências Experimentais não optem por uma formação mais abrangente, no sentido de acompanharem a acumulação de conhecimentos com a sua integração e explicação no tempo social, no tempo político e no tempo cultural.
O desfasamento entre o ensino secundário e universitário é abissal. Contudo, nota-se hoje uma crescente aproximação do topo para a base. Parece-me que deveria ser ao contrário. Mais grave ainda é o nível cultural das licenciaturas antigas para as novas licenciaturas, que sendo cada vez maior só tem conduzido ao abaixamento da qualidade científica e das exigências de competência profissional. Com a reforma de Bolonha tudo se resumirá à queda da fasquia da qualidade, da exigência e da competência, numa rasoira da sumidade e numa entronização da mediocridade intra-europeia. Quem se vai aproveitar disso é o Reino Unido e os Estados Unidos da América, que assim irão superiorizar-se ao nosso baixo nível científico e à nossa inferior qualidade académica. Dantes era-mos pobres mas cultos, agora vamos continuar a ser pobres, mas cada vez mais ignorantes.