sábado, 17 de outubro de 2009

A localização do aeroporto de Faro, escolhida em 1945 por Humberto Delgado

J. C. Vilhena Mesquita

Em Janeiros de 1945 o então governador civil de Faro, Dr. Antero Cabral, reuniu-se em Lisboa no Secretariado de Aeronáutica Civil, dirigido pelo então tenente-coronel Humberto Delgado, cujos estudos realizados nos EUA na área da sua especialidade lhe proporcionaram a precoce promoção a general, tornando-se no mais jovem caudilho militar da Europa. Todos o conhecemos hoje no proscénio da História como o “general sem medo”, pela sua audaciosa candidatura à presidência da República em 1958, cuja derrota eleitoral, fabricada pelos esbirros do regime, o transformaram num proscrito e três anos depois no celebérrimo sacrificado da sanha fascista, assassinado numa emboscada da PIDE.
Mas em 1945 era ainda um delfim do regime salazarista e um promissor quadro da Aeronáutica Civil, cujo futuro político ninguém imaginava tão transviado. Nessa sua reunião com o Governador Civil de Faro, confidenciou-lhe que estavam a realizar-se importantes estudos no sentido de dotar a cidade de Faro com um grande aeródromo de carácter internacional. Conforme estudos prévios, deveria ser construído nos vastos terrenos da Arábia, situados na actual freguesia do Montenegro, local esse onde já costumavam aterrar alguns aviões, naturalmente pequenos e de origem militar. Cumpria-se assim uma das promessas proferidas no seu acto de posse como director do Secretariado de Aeronáutica Civil, ou seja, a construção de aeródromos em cidades estratégicas do país, para servir a defesa militar e o desenvolvimento económico das regiões do interior.
O Governador Civil de Faro, que era um homem sério e bastante ponderado, ficou muito impressionado com a presença de espírito e capacidade de trabalho do tenente-coronel Humberto Delgado, dedicando-lhe, em conversas privadas no Café Aliança, os mais rasgados elogios. Aliás, em declarações à imprensa local o Dr. Antero Cabral afirmaria: “O sr. Tenente-coronel Humberto Delgado, ilustre e grande amigo do Algarve que por várias vezes tem visitado, pessoa de raro dinamismo, cuja acção todo o país está acompanhando com o mais decidido interesse, cumpre desta forma a promessa que fizera no seu discurso de posse.”
Na verdade, um mês depois dessa reunião, o Governador Civil de Faro recebeu a 12-2-1945 um telegrama do director do Secretariado da Aeronáutica Civil, comunicando-lhe ter sido aprovada a construção dum campo de aviação no sítio da Arábia, concelho de Faro, a fim de dotar o sul do país de ligações aérea internacionais. No mesmo telegrama se informa que foram solicitados ao Ministério das Obras Públicas e Comunicações a elaboração do respectivo projecto para poder avançar rapidamente com a sua construção.
Em Fevereiro de 1946 o Gabinete Técnico dos Aeródromos Civis, informou o Governo Civil que se encontrava quase concluído o projecto de construção do campo de aviação no sítio da Arábia. Por sua vez, o governo reconhecendo o interesse público de um aeródromo em Faro, aprovou o decreto-lei n.º 36067 de 30-12-1946, através do qual a Câmara Municipal passaria a liderar o processo de expropriação dos terrenos e execução das obras de construção daquele equipamento, na parte aplicável ao dec. Lei n.º 28797 de 1-7-1938 com as alterações constantes no decreto n.º 35831 de 27-8-1946. Foram estes os documentos oficiais que deram ao município a autoridade de partir para a expropriação ou aquisição dos terrenos tendentes à construção do aeródromo. Mas factores de ordem económica e muita burocracia à mistura, forçaram o atraso das obras. Com o decorrer do tempo e o desenvolvimento da aviação comercial, revelou-se o turismo num sector a privilegiar, razão pela qual entendeu o governo que o aeródromo de Faro se deveria transformar num aeroporto internacional, equipamento de estrutural importância para o desenvolvimento económico do Algarve, o qual cujas obras estariam definitivamente concluídas em 1965. A sua inauguração efectuou-se com toda a pompa e circunstância, mas isso será objecto de análise numa “nótula” posterior.

Humberto Delgado, envolvido numa capa oferecida por um estudante, discursando junto ao monumento a Carvalho Araujo, durante a sua campanha eleitoral, na cidade de Vila Real, em 22 Maio de 1958

4 comentários:

  1. Senhor Adm. do blogue Prof. Doutor JCVM

    O texto acima, referente ao Gen. Humberto Delgado, é, em minha opinião, um excelente trabalho de investigação, porquanto contem situações novas de muito interesse.

    Se o Gen. Delgado tivesse sido Presidnete da República, nada garante que o País estaria melhor. Mas estaria decididamente diferente.

    O senhor General Delgado é um homem a recordar com todo o respeito porque o que lhe foi feito não se faz a um cão.

    Este trabalho do Prof. Doutor JCVM é um excelente contributo para se fazer a verdadeira história de HUMBERTO DELGADO.

    Em suma,um bom artigo.

    João Brito Sousa

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  2. Prezado Amigo:
    Mais uma vez muitíssimo obrigado pelas suas palavras.
    Também considero que se Humberto Delgado tivesse sido eleito o país seria diferente, certamente para melhor, porque talvez os E.U.A. nos dessem mais apoio e as colónias (sobretudo Angola, por causa da descoberta o petróleo) tivessem sido negociadas com os americanos de forma mais proveitosa para os interesses de ambos. Assim, com Salazar o que prevaleceu foi o nacionalismo histórico, que presupunha a manutenção do império por forma a fazer pender a balança da política internacional a nosso favor no quadro das potências europeias. Isto, aliás, já havia sido dito por Almeida Garrett, no seu livro «Portugal na Balança da Europa». Na verdade, o nosso país sem o império perderia força e conceito perante o Reino Unido, e, mais recentemente, perante os EUA e seus satélites.
    Como o Humberto Delgado era pró-americano ter-nos-iamos desfeito das colónias mais cedo, não teríamos a guerra que infelizmente tivemos (na qual perdi um irmão mais velho) e ainda por cima, teriamos conseguido manter os nossos interesses comerciais, sustentando politicamente um governo africano nosso amigo.
    Isto, meu amigo, é política, é negócio (no sentido diplomático do termo), e foi isto que faltou a Salazar, sentido de oportunidade e percepção do reltivismo político. Como não vivíamos em democracia, nada disto pode ser feito.
    Salazar pensava que enquant mantivesse o império Portugal nunca poderia ser anexado pela Espanha, não só por causa da projecção que o império nos dava no contexto mundial, como ainda pela hipótese de fuga do governo para uma colónia em caso de invasão estrangeira. A estratégia de D. João VI, quando transferiu a corte para o Brasil, mantinha-se de pé, só que desta vez seria para Angola, visto ser a colónia mais próxima dum hipotético apoio franco-belga no Congo.
    Tudo isto resulta, meu caro amigo, da presença ao nosso lado de um ditador militarista, como era o "generalíssimo" Francisco Franco, cuja tese de licenciatura na Academia Militar de Madrid era precisamente «Como invadir Portugal con sucesso em quinze dias». Salazar leu-a e sabia que era execuível.
    E esteve quase para acontecer em 1941, como sabe, mercê da aliança espanhola com Hitler. O propósito final era anexar Portugal a Espanha. Toda a gente sabe disto.
    Enfim... fiquemos por aqui. Não o quero maçar mais.
    Um grande abraço do Vilhena Mesquita

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  3. Gostei de ler o Artigo, ajuda-nos a conhecer melhor a História. A este propósito recordo que li há poucos anos partes da História Total de España de Ricardo de la Cierva, contemporâneo, e dado tratar-se de um volume apreciável passei apenas pelos textos relacionados com Portugal. E aí li o narrado sobre o nosso 25 de Abril 1974, mais precisamente sobre o 25 de Novembro... : a Espanha pôs 3 Divisões de tropas cerca da fronteira Norte, Centro e Sul no caso de...., segredos~~

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    1. Obrigado, amigo Marceano Vasconcelos, pelo seu contributo, e pelas amáveis palavras. Lembro-me muito bem do 25 de Novembro, e do quartel dos comandos, com Jaime Neves e Ramalho Eanes, à frente das tropas que tomaram o poder e evitaram a cubanização do país. Se o PC vencesse temia-se uma guerra-civil com uma hipotética invasão das tropas espanholas, para combater a esquerda revolucionária. Eu vivia no norte, perto de Braga, e recordo-me das escaramuças nos quartéis militares, com Pires Veloso no Porto a restabelecer a ordem e a democracia. Falava-se em surdina e de há muito, desde o 11 de Setembro, numa hipotética invasão espanhola, até porque se dizia que o general Spínola tinha em Espanha uma força de antigos comandos da Guiné, sob a égide de um movimento designado por ELP. Felizmente tudo serenou e o país entrou definitivamente nos carris da Democracia e da Liberdade.

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