José Carlos Vilhena Mesquita
Se existem períodos de universalidade na História de Portugal, ninguém duvida que o principal, se não o único, terá sido, certamente, a epopeia dos Descobrimentos. E tanto assim é que, ainda hoje, a imagem que os portugueses conservam na cultura europeia lhe advém do facto de ter sido um pequeno povo de marinheiros que, numa aventura gigantesca, percorreu os cinco continentes, estabelecendo contactos e fixando raízes que se mantêm vivas no seio duma comunidade lusófona de quase duzentos milhões de membros.
Neste enquadramento histórico-cultural assume particular relevo a figura do Infante D. Henrique, internacionalmente conhecida como o "Navegador". E neste cognome existe um certo sentido da realidade, visto que o período henriquino foi mais preenchido pelo acto da navegação em si, do que, propriamente, pelo efeito da descoberta. Mas, se o Infante, enquanto personagem, domina a acção histórica, também não é menos verdade que o Algarve, enquanto espaço geográfico, constitui o seu único ponto de referência.
Deste modo, parece indissociável a conjugação do homem com o ambiente que o rodeia, embora tenhamos de concordar que a eternidade do espaço se sobrepõe à perenidade do ser, como potencializador testemunho dum passado glorioso. O mesmo será dizer que o Algarve mantêm-se como referência viva, ostentando um património histórico que identifica a grandeza e o esplendor de outras eras, enquanto o natural desaparecimento do Infante D. Henrique deu lugar ao referencial mítico-lendário que sempre ilustra os grandes "Senhores da História".
No entanto, sem desprezar o papel do Infante D. Henrique como condutor do processo histórico, há, porém, aqui que destacar duas coisas: primeiro, o Algarve enquanto complexo histórico-geográfico e seu posicionamento geo-estratégico; segundo, o povo algarvio enquanto figura colectiva e aglutinadora da relação socioeconómica do Homem com o Mar. Daí que o Infante D. Henrique gravite neste contexto de uma forma individualizada, mais como empresário do que como mandatário de um projecto nacional. Mas como personalidade de charneira dos Descobrimentos, julgamos que a sua principal "descoberta" consistiu, precisamente, no aproveitamento das potencialidades do Algarve como pólo dinamizador da expansão marítima. E só depois da sua morte é que esse pólo derivaria para a cidade de Lisboa, a fim de constituir-se num projecto colectivo e objectivamente perspectivado para a ligação da "estrada" atlântica com os mares da Índia.
Portanto, na primeira fase dos Descobrimentos Portugueses, constata-se uma forte tendência para a hegemonização da figura do Infante D. Henrique em detrimento da importância geo-humana do Algarve. E é mais para contrabalançar o peso das forças do que esbater os mitos - que não pretendemos amesquinhar - que chamamos a atenção para as condições naturais que proporcionaram ao Algarve o desempenho de um papel verdadeiramente decisivo para o sucesso universal dos Descobrimentos:
1º. O Algarve era no séc. XV – como ainda hoje – um espaço litoralizado, cuja ocupação humana se distendia pela orla marítima.
2º. A realidade geográfica originou uma economia relacionada, quase em exclusivo, com a actividade marítima.
3.º O algarvio era, por excelência, um hábil marinheiro. E, neste caso, há que destacar os seguintes factores:
a) A construção naval, que disponibilizava um grande número de embarcações para a pesca de longo curso e para o comércio marítimo com o Mediterrâneo.
b) As capturas da baleia, atum e sardinha atraíam os pescadores algarvios às ilhas atlânticas (Canárias, Madeira e, provavelmente, os Açores) muito antes de serem oficialmente descobertas.
c) O relacionamento com pilotos italianos, e até marroquinos, possibilitou a introdução de novas técnicas que aumentaram a capacidade de navegação dos marinheiros algarvios.
d) A escolha da baía de Lagos, como eixo das Descobertas, foi, nitidamente, uma opção geo-estratégica; e aos seus habitantes devem-se associar todos os factores acima referidos.
Obviamente que destas vantagens, quer naturais, quer humanas, se teria apercebido o Infante D. Henrique. Mas acresce dizer que nas suas intenções estava também presente o espírito do homem feudal, que se espelha na expansão da fé cristã e na conquista do território afro-islâmico. E também nesse propósito se encaixava plenamente o Algarve e os algarvios.
De facto, a proximidade do Algarve com o Norte de Africa mantinha as suas gentes em constante actividade guerreira contra a «moirama». Na maioria dos casos tratavam-se de actos de pirataria. Mas desses embates não raras vezes resultava a captura de cristãos, de cujo resgate se ocupava a Ordem da Santíssima Trindade, aqui sediada. Ora esta acção humanitária e religiosa calava fundo no coração do Infante, sendo certo que não menos lhe agradaria a bravura dos algarvios nas pelejas contra os infiéis, quer em terra quer no mar. E não se duvide que esta situação de conflitualidade endémica do Algarve constituiu, também, uma das motivações do Infante para se fixar na região.
Por outro lado, a guerra com Castela durante a crise de 1383-85, fizera despertar a força militar da Armada, na qual se incorporaram centenas de algarvios. E também a essa circunstância estivera atento o Infante quando decidiu residir no Algarve.
Do mesmo modo, há que tomar em linha de conta as agremiações de mareantes, designadas por Confrarias, Irmandades ou Casas do Corpo Santo - mais conhecidas por Compromissos Marítimos - que eram, ao tempo, verdadeiros alfobres de marinheiros, com larga experiência na «navegação de altura». A fama das pescarias algarvias, sobretudo do atum, e a produtividade hortofrutícola do Algarve, atraíam barcos de diversas proveniências, sobretudo genoveses, venezianos, prazentins, lombardos, etc. Logicamente de todas estas particularidades estava inteirado o Infante D. Henrique, quando decidiu fazer de Silves-Lagos-Sagres a triangulação socioeconómica dos Descobrimentos.
De qualquer modo, e para finalizar, não devemos esquecer que muito antes do Infante ter optado pelo Algarve para a realização do seu projecto expansionista, já os algarvios haviam desenvolvido fortes relações comerciais e piscatórias, lícitas ou de contrabando, pacíficas ou belicosas, com os portos atlânticos da costa africana, desde Ceuta até ao Cabo Não. E, com ou sem a interferência do Infante, essas relações económicas iriam manter-se e, talvez, alargar-se a outros portos africanos. Todavia, temos de aceitar que o Infante soube aproveitar e desenvolver todas essas potencialidades, conferindo ao Algarve a honra de ter sido a porta por onde saíram as primeiras caravelas que ligaram o "Velho Mundo" a outros mundos nunca antes navegados.
Os Descobrimentos e o património histórico do Algarve.
Os Descobrimentos Portugueses inserem-se num período histórico de longa duração, que se explica através de uma acumulação progressiva de conhecimentos técnicos e científicos, cuja aplicação experimental revolucionou por completo a organização política, social e económica do medievalismo europeu. Para o novo espírito humanista, que inspirou a Idade Moderna, contribuíram em larga medida as caravelas portuguesas que abriram ao Mundo «novos mundos» nunca antes imaginados.
Neste contexto histórico o Algarve assume um papel paradigmático. As proximidades com o Mediterrâneo e o Norte de África, a experiência marítima nas pescarias de longa distância, a construção naval, os avultados rendimentos da Ordem de Cristo e a intervenção directa e pessoal do Infante D. Henrique, propiciaram ao Algarve a função catalizadora dos impérios ibéricos.
Desse glorioso passado permanecem os aglomerados urbanos, cujo património cultural constitui a principal referência no itinerário que a seguir se enuncia.
SAGRES – Monumento natural, que os geógrafos da antiguidade clássica designaram por Sacrum Promomtorium. Aqui o Infante D. Henrique erigiu a residência onde viria a falecer em 13-11-1460. Merece uma visita atenta a Fortaleza, reconstruída no séc. XVI, que circunda todo o istmo da península de Sagres. Na face interior da torre virada a sul encontra-se uma lápide de mármore, evocativa do Infante D. Henrique, escrita em latim e português, encimada pela coroa real, onde se lê a divisa do Infante: «Talent de bien faire».
Do primitivo conjunto arquitectónico, coevo do Infante e fielmente desenhado por Sir Francis Drake em 1587, faziam parte a Igreja de N.Sª da Graça, do séc. XV, as “casas da correnteza” e a Rosa dos Ventos. Este último monumento, descoberto em 1928, mas que se admite remontar à época henriquina, compõe-se de pequenas pedras que partem de um único centro, formando ângulos desiguais, cujo diâmetro atinge 43 metros. Recentemente procedeu-se ali a uma intervenção arquitectónica que descaracterizou em absoluto o interior do recinto histórico. Apenas a igreja de N.ª S.ª da Graça permanece intacta e identificável. A demolição da «Pousada da Juventude», que reproduzia as casas da correnteza, desenhadas por Francis Drake, para em seu lugar se erguer um inestético edifício, que o vulgo baptizou de «armazém do bacalhau», foi do mais infeliz que se conhece em toda a história da arquitectura portuguesa.
A Fortaleza de St.º António de Belixe, na enseada em frente de Sagres, data do séc. XVI, conservando-se as muralhas, os aquartelamentos militares, a ermida e o paiol.
O Convento e Fortaleza do Cabo de S. Vicente, foi local religioso desde o séc. XIII-XIV, nele existindo um farol pelo menos desde 1520. A Fortaleza, que defende o Cabo, data de 1508. Subsistem dúvidas sobre se terá sido em Sagres ou no Cabo de São Vicente que o Infante D. Henrique erigiu a tão celebrada "Vila do Infante".
RAPOSEIRA – Aldeia de origem remota cuja Igreja Matriz data do séc. XVI. A pouca distância dali ergueu-se no séc. XIV a Ermida de N.ª S.ª de Guadalupe, cujo estilo romano-gótico é único no Algarve. Supõe-se que terá sido mandada construir por algum armador da pesca no tempo de D. Fernando. O culto de N.Sª de Guadalupe é de origem castelhano e invocava a libertação dos cristãos cativos dos mouros, assim como a protecção dos homens do mar. Diz-se que nesta ermida o Infante esteve por várias vezes presente, mandando rezar missas e pedindo à Virgem a protecção divina para os seus navegantes. Ali próximo possuía o Infante a sua Quinta da Raposeira, de que parecem existir alguns vestígios.
LAGOS – Na antiga Lacóbriga romana estabeleceu o Infante o “porto de armamento” das suas caravelas. Daqui partiram os primeiros argonautas que descobriram as ilhas atlânticas e tornearam a costa africana, na busca duma passagem para os mares da Índia. Por isso esta cidade merece o epíteto de “capital dos Descobrimentos Portugueses”. O mais célebre navegador henriquino foi Gil Eanes, que, diz-se, era daqui natural. Foi em Lagos que o Infante exerceu a governação do Algarve e geriu os negócios da Guiné, de cuja época é ainda testemunho o antigo mercado de escravos.
Do seu valioso património destacam-se as Igrejas de S. Sebastião, do séc. XV, a Matriz, do séc. XVI, a do Carmo e a de St.º António, do séc. XVIII, onde se encontra hoje o Museu da cidade. No Castelo, do séc. XVI, se acolheu o exército do Rei D. Sebastião, de partida para a fatal batalha de Alcácer Quibir, da qual resultaria a nossa submissão à Espanha durante 60 anos. O antigo mercado de escravos, o Forte de N.Sª da Penha de França, do séc. XVIII, e o Museu são locais de visita obrigatória. Um passeio pelas ruas tortuosas da cidade permitem descobrir alguns recantos de rara beleza e ancestralidade histórica.
SILVES – Foi célebre durante a ocupação árabe, de que ainda restam as torres da velha muralha. Sede de bispado até 1577, cuja Sé-Catedral foi mandada edificar por Afonso X no séc. XII. Apesar das diversas alterações sofridas ao longo dos tempos mantém ainda intacta a original imponência do traço gótico. O Castelo, erigido com pedra da região (grés), vislumbra-se a larga distância e possui um aspecto singular.
Uma visita ao Castelo, ao Museu Arqueológico, à Igreja dos Mártires, que remonta ao séc. XIII, e à Sé-Catedral, tornarão inesquecível este passeio.
FARO – Antiga Ossónoba romana e actual sede de bispado. Aqui aportou o Infante D. Henrique com a esquadra que iria conquistar Ceuta em 1415. Pertenciam a este porto muitas das “caravelas piscarescas” que fainavam desde os mares de Larache até aos Açores, abrindo caminho aos pilotos do Infante. Do seu património destaca-se a Sé, construída em 1251, as igrejas de S. Pedro, da Misericórdia e o convento de N.Sª da Assunção, que remontam ao séc. XVI. Os templos do Carmo e de S. Francisco, assim como o Arco da Vila, são do séc. XVIII. A visita ao Museu Arqueológico Infante D. Henrique é quase imprescindível. Fora de portas recomenda-se a Vila Romana do Milreu e o Palácio de Estoi.
TAVIRA – A Balsa dos romanos que aos árabes deve o nome, possui o mais vasto património cultural do Algarve. Aqui se armou cavaleiro o Infante D. Henrique, no regresso de Ceuta, e daqui partiram muitos soldados para as conquistas do Norte de África. Visitar Tavira é tarefa demorada, pois é quase obrigatório passar pelas igrejas de St.ª Maria do Castelo e de Santiago, do séc. XIII, da Misericórdia e de N.Sª das Ondas, do séc. XVI, de S. Paulo e de St.º António, do séc. XVII, do Carmo, de S. Sebastião e de S. José do séc. XVIII. Em todos os templos, que são quase 30, admiram-se preciosos quadros e belos painéis de azulejos.
CASTRO MARIM – Foi sede da Ordem de Cristo, de cujos réditos se serviu o Infante para financiar a empresa dos Descobrimentos. Por ser vila fronteiriça destaca-se o antigo Castelo e o Forte de S. Sebastião do séc. XVII. São também dessa época as Igrejas de N.Sª. dos Mártires, de S. Sebastião e de St.º António.
Se existem períodos de universalidade na História de Portugal, ninguém duvida que o principal, se não o único, terá sido, certamente, a epopeia dos Descobrimentos. E tanto assim é que, ainda hoje, a imagem que os portugueses conservam na cultura europeia lhe advém do facto de ter sido um pequeno povo de marinheiros que, numa aventura gigantesca, percorreu os cinco continentes, estabelecendo contactos e fixando raízes que se mantêm vivas no seio duma comunidade lusófona de quase duzentos milhões de membros.
Neste enquadramento histórico-cultural assume particular relevo a figura do Infante D. Henrique, internacionalmente conhecida como o "Navegador". E neste cognome existe um certo sentido da realidade, visto que o período henriquino foi mais preenchido pelo acto da navegação em si, do que, propriamente, pelo efeito da descoberta. Mas, se o Infante, enquanto personagem, domina a acção histórica, também não é menos verdade que o Algarve, enquanto espaço geográfico, constitui o seu único ponto de referência.
Deste modo, parece indissociável a conjugação do homem com o ambiente que o rodeia, embora tenhamos de concordar que a eternidade do espaço se sobrepõe à perenidade do ser, como potencializador testemunho dum passado glorioso. O mesmo será dizer que o Algarve mantêm-se como referência viva, ostentando um património histórico que identifica a grandeza e o esplendor de outras eras, enquanto o natural desaparecimento do Infante D. Henrique deu lugar ao referencial mítico-lendário que sempre ilustra os grandes "Senhores da História".
No entanto, sem desprezar o papel do Infante D. Henrique como condutor do processo histórico, há, porém, aqui que destacar duas coisas: primeiro, o Algarve enquanto complexo histórico-geográfico e seu posicionamento geo-estratégico; segundo, o povo algarvio enquanto figura colectiva e aglutinadora da relação socioeconómica do Homem com o Mar. Daí que o Infante D. Henrique gravite neste contexto de uma forma individualizada, mais como empresário do que como mandatário de um projecto nacional. Mas como personalidade de charneira dos Descobrimentos, julgamos que a sua principal "descoberta" consistiu, precisamente, no aproveitamento das potencialidades do Algarve como pólo dinamizador da expansão marítima. E só depois da sua morte é que esse pólo derivaria para a cidade de Lisboa, a fim de constituir-se num projecto colectivo e objectivamente perspectivado para a ligação da "estrada" atlântica com os mares da Índia.
Portanto, na primeira fase dos Descobrimentos Portugueses, constata-se uma forte tendência para a hegemonização da figura do Infante D. Henrique em detrimento da importância geo-humana do Algarve. E é mais para contrabalançar o peso das forças do que esbater os mitos - que não pretendemos amesquinhar - que chamamos a atenção para as condições naturais que proporcionaram ao Algarve o desempenho de um papel verdadeiramente decisivo para o sucesso universal dos Descobrimentos:
1º. O Algarve era no séc. XV – como ainda hoje – um espaço litoralizado, cuja ocupação humana se distendia pela orla marítima.
2º. A realidade geográfica originou uma economia relacionada, quase em exclusivo, com a actividade marítima.
3.º O algarvio era, por excelência, um hábil marinheiro. E, neste caso, há que destacar os seguintes factores:
a) A construção naval, que disponibilizava um grande número de embarcações para a pesca de longo curso e para o comércio marítimo com o Mediterrâneo.
b) As capturas da baleia, atum e sardinha atraíam os pescadores algarvios às ilhas atlânticas (Canárias, Madeira e, provavelmente, os Açores) muito antes de serem oficialmente descobertas.
c) O relacionamento com pilotos italianos, e até marroquinos, possibilitou a introdução de novas técnicas que aumentaram a capacidade de navegação dos marinheiros algarvios.
d) A escolha da baía de Lagos, como eixo das Descobertas, foi, nitidamente, uma opção geo-estratégica; e aos seus habitantes devem-se associar todos os factores acima referidos.
Obviamente que destas vantagens, quer naturais, quer humanas, se teria apercebido o Infante D. Henrique. Mas acresce dizer que nas suas intenções estava também presente o espírito do homem feudal, que se espelha na expansão da fé cristã e na conquista do território afro-islâmico. E também nesse propósito se encaixava plenamente o Algarve e os algarvios.
De facto, a proximidade do Algarve com o Norte de Africa mantinha as suas gentes em constante actividade guerreira contra a «moirama». Na maioria dos casos tratavam-se de actos de pirataria. Mas desses embates não raras vezes resultava a captura de cristãos, de cujo resgate se ocupava a Ordem da Santíssima Trindade, aqui sediada. Ora esta acção humanitária e religiosa calava fundo no coração do Infante, sendo certo que não menos lhe agradaria a bravura dos algarvios nas pelejas contra os infiéis, quer em terra quer no mar. E não se duvide que esta situação de conflitualidade endémica do Algarve constituiu, também, uma das motivações do Infante para se fixar na região.
Por outro lado, a guerra com Castela durante a crise de 1383-85, fizera despertar a força militar da Armada, na qual se incorporaram centenas de algarvios. E também a essa circunstância estivera atento o Infante quando decidiu residir no Algarve.
Do mesmo modo, há que tomar em linha de conta as agremiações de mareantes, designadas por Confrarias, Irmandades ou Casas do Corpo Santo - mais conhecidas por Compromissos Marítimos - que eram, ao tempo, verdadeiros alfobres de marinheiros, com larga experiência na «navegação de altura». A fama das pescarias algarvias, sobretudo do atum, e a produtividade hortofrutícola do Algarve, atraíam barcos de diversas proveniências, sobretudo genoveses, venezianos, prazentins, lombardos, etc. Logicamente de todas estas particularidades estava inteirado o Infante D. Henrique, quando decidiu fazer de Silves-Lagos-Sagres a triangulação socioeconómica dos Descobrimentos.
De qualquer modo, e para finalizar, não devemos esquecer que muito antes do Infante ter optado pelo Algarve para a realização do seu projecto expansionista, já os algarvios haviam desenvolvido fortes relações comerciais e piscatórias, lícitas ou de contrabando, pacíficas ou belicosas, com os portos atlânticos da costa africana, desde Ceuta até ao Cabo Não. E, com ou sem a interferência do Infante, essas relações económicas iriam manter-se e, talvez, alargar-se a outros portos africanos. Todavia, temos de aceitar que o Infante soube aproveitar e desenvolver todas essas potencialidades, conferindo ao Algarve a honra de ter sido a porta por onde saíram as primeiras caravelas que ligaram o "Velho Mundo" a outros mundos nunca antes navegados.
Os Descobrimentos e o património histórico do Algarve.
Os Descobrimentos Portugueses inserem-se num período histórico de longa duração, que se explica através de uma acumulação progressiva de conhecimentos técnicos e científicos, cuja aplicação experimental revolucionou por completo a organização política, social e económica do medievalismo europeu. Para o novo espírito humanista, que inspirou a Idade Moderna, contribuíram em larga medida as caravelas portuguesas que abriram ao Mundo «novos mundos» nunca antes imaginados.
Neste contexto histórico o Algarve assume um papel paradigmático. As proximidades com o Mediterrâneo e o Norte de África, a experiência marítima nas pescarias de longa distância, a construção naval, os avultados rendimentos da Ordem de Cristo e a intervenção directa e pessoal do Infante D. Henrique, propiciaram ao Algarve a função catalizadora dos impérios ibéricos.
Desse glorioso passado permanecem os aglomerados urbanos, cujo património cultural constitui a principal referência no itinerário que a seguir se enuncia.
SAGRES – Monumento natural, que os geógrafos da antiguidade clássica designaram por Sacrum Promomtorium. Aqui o Infante D. Henrique erigiu a residência onde viria a falecer em 13-11-1460. Merece uma visita atenta a Fortaleza, reconstruída no séc. XVI, que circunda todo o istmo da península de Sagres. Na face interior da torre virada a sul encontra-se uma lápide de mármore, evocativa do Infante D. Henrique, escrita em latim e português, encimada pela coroa real, onde se lê a divisa do Infante: «Talent de bien faire».
Do primitivo conjunto arquitectónico, coevo do Infante e fielmente desenhado por Sir Francis Drake em 1587, faziam parte a Igreja de N.Sª da Graça, do séc. XV, as “casas da correnteza” e a Rosa dos Ventos. Este último monumento, descoberto em 1928, mas que se admite remontar à época henriquina, compõe-se de pequenas pedras que partem de um único centro, formando ângulos desiguais, cujo diâmetro atinge 43 metros. Recentemente procedeu-se ali a uma intervenção arquitectónica que descaracterizou em absoluto o interior do recinto histórico. Apenas a igreja de N.ª S.ª da Graça permanece intacta e identificável. A demolição da «Pousada da Juventude», que reproduzia as casas da correnteza, desenhadas por Francis Drake, para em seu lugar se erguer um inestético edifício, que o vulgo baptizou de «armazém do bacalhau», foi do mais infeliz que se conhece em toda a história da arquitectura portuguesa.
A Fortaleza de St.º António de Belixe, na enseada em frente de Sagres, data do séc. XVI, conservando-se as muralhas, os aquartelamentos militares, a ermida e o paiol.
O Convento e Fortaleza do Cabo de S. Vicente, foi local religioso desde o séc. XIII-XIV, nele existindo um farol pelo menos desde 1520. A Fortaleza, que defende o Cabo, data de 1508. Subsistem dúvidas sobre se terá sido em Sagres ou no Cabo de São Vicente que o Infante D. Henrique erigiu a tão celebrada "Vila do Infante".
RAPOSEIRA – Aldeia de origem remota cuja Igreja Matriz data do séc. XVI. A pouca distância dali ergueu-se no séc. XIV a Ermida de N.ª S.ª de Guadalupe, cujo estilo romano-gótico é único no Algarve. Supõe-se que terá sido mandada construir por algum armador da pesca no tempo de D. Fernando. O culto de N.Sª de Guadalupe é de origem castelhano e invocava a libertação dos cristãos cativos dos mouros, assim como a protecção dos homens do mar. Diz-se que nesta ermida o Infante esteve por várias vezes presente, mandando rezar missas e pedindo à Virgem a protecção divina para os seus navegantes. Ali próximo possuía o Infante a sua Quinta da Raposeira, de que parecem existir alguns vestígios.
LAGOS – Na antiga Lacóbriga romana estabeleceu o Infante o “porto de armamento” das suas caravelas. Daqui partiram os primeiros argonautas que descobriram as ilhas atlânticas e tornearam a costa africana, na busca duma passagem para os mares da Índia. Por isso esta cidade merece o epíteto de “capital dos Descobrimentos Portugueses”. O mais célebre navegador henriquino foi Gil Eanes, que, diz-se, era daqui natural. Foi em Lagos que o Infante exerceu a governação do Algarve e geriu os negócios da Guiné, de cuja época é ainda testemunho o antigo mercado de escravos.
Do seu valioso património destacam-se as Igrejas de S. Sebastião, do séc. XV, a Matriz, do séc. XVI, a do Carmo e a de St.º António, do séc. XVIII, onde se encontra hoje o Museu da cidade. No Castelo, do séc. XVI, se acolheu o exército do Rei D. Sebastião, de partida para a fatal batalha de Alcácer Quibir, da qual resultaria a nossa submissão à Espanha durante 60 anos. O antigo mercado de escravos, o Forte de N.Sª da Penha de França, do séc. XVIII, e o Museu são locais de visita obrigatória. Um passeio pelas ruas tortuosas da cidade permitem descobrir alguns recantos de rara beleza e ancestralidade histórica.
SILVES – Foi célebre durante a ocupação árabe, de que ainda restam as torres da velha muralha. Sede de bispado até 1577, cuja Sé-Catedral foi mandada edificar por Afonso X no séc. XII. Apesar das diversas alterações sofridas ao longo dos tempos mantém ainda intacta a original imponência do traço gótico. O Castelo, erigido com pedra da região (grés), vislumbra-se a larga distância e possui um aspecto singular.
Uma visita ao Castelo, ao Museu Arqueológico, à Igreja dos Mártires, que remonta ao séc. XIII, e à Sé-Catedral, tornarão inesquecível este passeio.
FARO – Antiga Ossónoba romana e actual sede de bispado. Aqui aportou o Infante D. Henrique com a esquadra que iria conquistar Ceuta em 1415. Pertenciam a este porto muitas das “caravelas piscarescas” que fainavam desde os mares de Larache até aos Açores, abrindo caminho aos pilotos do Infante. Do seu património destaca-se a Sé, construída em 1251, as igrejas de S. Pedro, da Misericórdia e o convento de N.Sª da Assunção, que remontam ao séc. XVI. Os templos do Carmo e de S. Francisco, assim como o Arco da Vila, são do séc. XVIII. A visita ao Museu Arqueológico Infante D. Henrique é quase imprescindível. Fora de portas recomenda-se a Vila Romana do Milreu e o Palácio de Estoi.
TAVIRA – A Balsa dos romanos que aos árabes deve o nome, possui o mais vasto património cultural do Algarve. Aqui se armou cavaleiro o Infante D. Henrique, no regresso de Ceuta, e daqui partiram muitos soldados para as conquistas do Norte de África. Visitar Tavira é tarefa demorada, pois é quase obrigatório passar pelas igrejas de St.ª Maria do Castelo e de Santiago, do séc. XIII, da Misericórdia e de N.Sª das Ondas, do séc. XVI, de S. Paulo e de St.º António, do séc. XVII, do Carmo, de S. Sebastião e de S. José do séc. XVIII. Em todos os templos, que são quase 30, admiram-se preciosos quadros e belos painéis de azulejos.
CASTRO MARIM – Foi sede da Ordem de Cristo, de cujos réditos se serviu o Infante para financiar a empresa dos Descobrimentos. Por ser vila fronteiriça destaca-se o antigo Castelo e o Forte de S. Sebastião do séc. XVII. São também dessa época as Igrejas de N.Sª. dos Mártires, de S. Sebastião e de St.º António.
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