por: José Carlos Vilhena Mesquita
«Que quimera é o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que sujeito de contradição, que prodígio! Juiz de todas as coisas, verme imbecil; depositário da verdade, cloaca de incerteza e de erro; glória e nojo do universo. Quem deslindará esta embrulhada?» (Pascal)
Embora o conceito de cultura se possa situar entre as categorias mais importantes das Ciências Sociais, podemos afirmar que, infelizmente, as definições que lhe são atribuídas, pelos inúmeros investigadores, não têm, nem de longe nem de perto, a mesma acepção, nem a mesma anuência ou interpretação sociológica. Trata-se, efectivamente, de um conceito de que muito se tem abusado relativamente a sua significação, e que aparece com vários sentidos, tanto na linguagem corrente como, ainda, nas diversas ciências e até mesmo na filosofia.
Na realidade, esta situação em que nos encontramos é de certo modo aflitiva pelo que urge elaborar, o mais rapidamente possível, uma definição rigorosamente científica e universal do conceito de “Cultura”. Quanto a nós, só será possível construir o referido conceito (que corresponda aos requisitos das ciências sociais em geral) quando o seu conteúdo estiver de acordo com as funções cognitivas básicas a que foi chamado a cumprir nas ciências modernas. A verdadeira definição das funções cognitivas do conceito de “Cultura” pressupõe necessariamente um exame do mesmo no âmbito de outras noções fundamentais das Ciências Sociais e a sua correspondência com elas.
O problema não se reduz, assim, a um exame isolado duma determinada definição, por muito boa que seja a sua formulação. Uma definição só é metodologicamente efectiva e “operante”, quando enquadrada logicamente num sistema teórico mais amplo, como parte integrante e funcionalmente necessária do mesmo.
O problema consiste no facto da cultura ser a componente específica desta esfera que tudo penetra e que abarca tudo. Por conseguinte, não é possível indicar um ramo da vida social que não seja “cultura”.
A evolução do Conceito de Cultura
A origem do conceito de cultura poder-se-à situar epistemologicamente na Alemanha, país onde se começou a empregar o termo por volta dos finais do século XVIII, precisamente em estudos de História que procuravam reconstituir, desde as origens, uma história geral da Humanidade e das Sociedades. Todavia, estes historiadores eram “diferentes”, isto é, preocupavam-se antes com a descrição dos costumes, instituições, ideias, artes e ciência, relegando para um plano inferior os aspectos políticos, militares e factológicos deste ou daquele povo, desta ou daquela Nação. Eram, por assim dizer, historiadores/sociólogos – provável gérmen da escola dos Analles de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel – que procuravam compreender a diversidade das sociedades e das civilizações, munindo-se para o efeito de todo o material possível acerca das épocas e dos espaços em que se verificavam os factos históricos, por forma a poderem compará-los entre si. Deste modo, levantaram a hipótese de que a história dos homens não é mais do que a história da evolução da humanidade e o método comparativo possibilita-nos a compreensão desse progresso. A história comparada permitiria, assim, destrinçar os vários períodos da história e das sociedades que representaram diferentes etapas no progresso humano. Para tal bastava apenas assinalar as épocas históricas marcadas por um aumento de conhecimentos, uma elevação das artes, um apuramento dos costumes o aperfeiçoamento das instituições sociais, etc... para então se considerar que se verificou uma fase mais avançada no progresso. Ora, o vocábulo cultura serviu precisamente para determinar essa evolução.
Salientemos o nome de Johann Christophe Adelung (1732-1806) como sendo um dos historiadores do tipo daqueles a que atrás nos referimos e que em 1782 publicou a obra Essai sur l’Histoire de la Culture de L'Espèce Humaine, na qual estipulava, desde as origens do homem, oito períodos históricos possíveis de comparar com as idades da vida humana individual.
No fundo, esta utilização do termo cultura foi empregada num sentido semelhante ao de Adelung pelos historiadores alemães da época.
Quanto à origem da palavra cultura, pensa-se que os historiadores alemães a recolheram da língua francesa atribuindo-lhe uma significação totalmente diferente daquela que defendia no país da Revolução. Primeiramente escrevia-se Cultur o que equivalia a ser um francesismo e posteriormente já no século, XIX passou a escrever-se Kultur o que dá ao vocábulo uma feição mais germânica.
O termo francês é de origem latina - cultura - e significava cuidados com os vegetais (termo agrícola) ou, ainda, culto religioso (termo espiritual), acabando mais tarde por traduzir instrução ou educação superior. É assim que na Idade Média o termo cultura tem o significado de culto religioso, e, ainda, o de cultivo das terras – verbos culturer e couturer – que pretendiam designar a cultura do solo.
Mais tarde, no século XVII, o termo cultura (culture) continuou a referir-se à acção de cultivar a terra, mas, provavelmente por analogia, começou também a empregar-se em frases como: “Cultura das letras” ou “Cultura das Ciências”, para designar de uma maneira geral a formação do espírito no século XVIII. Assim, o termo cultura passou a traduzir o progresso intelectual dum indivíduo ou ainda o trabalho necessário a esse progresso.
O alemão von Irwing traduziu para a sua língua o termo cultura, que Adelung e os seus contemporâneos aproveitaram,para lhe atribuir um sentido mais vasto e ainda por analogia, para designar o progresso intelectual e social do homem em geral, das colectividades e da humanidade. Recebeu então pela primeira vez uma conotação colectiva, mas continuou a conter a ideia de um movimento para a frente, dum aperfeiçoamento, dum devir.
Estes historiadores eram empiristas, embora se possa dizer que reuniam as qualidades de investigadores meticulosos, cuja preocupação se resumia na elaboração duma obra científica em vez de filosófica, resultando dos seus esforços autênticos trabalhos etnográficos. Um aspecto interessante da noção sociológica de cultura é o facto de provir não da filosofia, mas da história.
Em conclusão: primeiramente o termo cultura significava aquilo que, ainda hoje para muitos dos nossos agricultores, se prende com o cultivo dos vegetais, cereais, etc... ou seja, todo um processo do labor sobre o solo arável.
No tocante ao aspecto espiritual ou religioso, o vocábulo pretendia explorar os cultos religiosos, a hagiografia, a exegese dos textos bíblicos, etc...
Actualmente podemos interpretar o conceito de cultura por duas vias distintas. A primeira consiste na aplicação do vocábulo a um certo indivíduo para afirmar o seu grau do formação e de instrução, ou ainda aos cuidados dados ao espírito e às suas ocupações espirituais. A segundo, e aqui é que pessoalmente nos interessa, o conceito de cultura quando empregado em Antropologia ou em Sociologia tem um sentido totalmente diferente dos anteriormente já frisados. Neste caso o conceito pretende traduzir tudo o que numa dada sociedade é adquirido, apreendido e pode ser transmitido.
O objecto da cultura estende-se pois ao quadro da vida social abarcando, naturalmente, todos os seus aspectos, desde os índices tecnológicos, passando pelo cariz das instituições e culminando nas formas de expressão espiritual, as quais, entendidas na sua totalidade, poderão transmitir uma determinada imagem para o exterior, comum a todo um povo, nação, continente ou raça. Tudo depende da especificidade ou da generalidade dos valores que caracterizam uma forma de pensar, agir e sentir.
Daí constatarmos, geralmente, a repartição ou o espartilhamento do conceito de cultura em duas dimensões:
- primeiro como realidade objectiva, isto é, trabalhos realizados enquanto resultado concreto;
- segundo como realidade vivida, ou seja, entende-se como participação numa continuidade actuante, configuração activa de valores, os quais no fundo não são mais do que modelos culturais.
Bem vistas as coisas, a cultura ou o grau de cultura extrai-se através da observação atenta e do estudo minucioso dos valores tecnológicos, artísticos, literários etc., sem esquecer no entanto a análise dos comportamentos e das relações entre os membros da sociedade em causa.
Efectivamente, como remate do nosso pensamento, podemos afirmar, sem receio de tomar a nuvem por Juno, que uma Cultura só poderá ser interpretada pelo próprio contexto cultural em que se insere, usando como níveis os conjuntos de conhecimentos predominantes nas ideias estabelecidas, as crenças, o tipo de norma social e os valores de conduta específico à cultura em si.
Só assim se poderá conhecer e comparar a nossa própria cultura. Resta-nos agora a tarefa de procurar sistematizá-la. Porém, isso ficará para uma próxima oportunidade.
«Que quimera é o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que sujeito de contradição, que prodígio! Juiz de todas as coisas, verme imbecil; depositário da verdade, cloaca de incerteza e de erro; glória e nojo do universo. Quem deslindará esta embrulhada?» (Pascal)
Embora o conceito de cultura se possa situar entre as categorias mais importantes das Ciências Sociais, podemos afirmar que, infelizmente, as definições que lhe são atribuídas, pelos inúmeros investigadores, não têm, nem de longe nem de perto, a mesma acepção, nem a mesma anuência ou interpretação sociológica. Trata-se, efectivamente, de um conceito de que muito se tem abusado relativamente a sua significação, e que aparece com vários sentidos, tanto na linguagem corrente como, ainda, nas diversas ciências e até mesmo na filosofia.
Na realidade, esta situação em que nos encontramos é de certo modo aflitiva pelo que urge elaborar, o mais rapidamente possível, uma definição rigorosamente científica e universal do conceito de “Cultura”. Quanto a nós, só será possível construir o referido conceito (que corresponda aos requisitos das ciências sociais em geral) quando o seu conteúdo estiver de acordo com as funções cognitivas básicas a que foi chamado a cumprir nas ciências modernas. A verdadeira definição das funções cognitivas do conceito de “Cultura” pressupõe necessariamente um exame do mesmo no âmbito de outras noções fundamentais das Ciências Sociais e a sua correspondência com elas.
O problema não se reduz, assim, a um exame isolado duma determinada definição, por muito boa que seja a sua formulação. Uma definição só é metodologicamente efectiva e “operante”, quando enquadrada logicamente num sistema teórico mais amplo, como parte integrante e funcionalmente necessária do mesmo.
O problema consiste no facto da cultura ser a componente específica desta esfera que tudo penetra e que abarca tudo. Por conseguinte, não é possível indicar um ramo da vida social que não seja “cultura”.
A evolução do Conceito de Cultura
A origem do conceito de cultura poder-se-à situar epistemologicamente na Alemanha, país onde se começou a empregar o termo por volta dos finais do século XVIII, precisamente em estudos de História que procuravam reconstituir, desde as origens, uma história geral da Humanidade e das Sociedades. Todavia, estes historiadores eram “diferentes”, isto é, preocupavam-se antes com a descrição dos costumes, instituições, ideias, artes e ciência, relegando para um plano inferior os aspectos políticos, militares e factológicos deste ou daquele povo, desta ou daquela Nação. Eram, por assim dizer, historiadores/sociólogos – provável gérmen da escola dos Analles de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel – que procuravam compreender a diversidade das sociedades e das civilizações, munindo-se para o efeito de todo o material possível acerca das épocas e dos espaços em que se verificavam os factos históricos, por forma a poderem compará-los entre si. Deste modo, levantaram a hipótese de que a história dos homens não é mais do que a história da evolução da humanidade e o método comparativo possibilita-nos a compreensão desse progresso. A história comparada permitiria, assim, destrinçar os vários períodos da história e das sociedades que representaram diferentes etapas no progresso humano. Para tal bastava apenas assinalar as épocas históricas marcadas por um aumento de conhecimentos, uma elevação das artes, um apuramento dos costumes o aperfeiçoamento das instituições sociais, etc... para então se considerar que se verificou uma fase mais avançada no progresso. Ora, o vocábulo cultura serviu precisamente para determinar essa evolução.
Salientemos o nome de Johann Christophe Adelung (1732-1806) como sendo um dos historiadores do tipo daqueles a que atrás nos referimos e que em 1782 publicou a obra Essai sur l’Histoire de la Culture de L'Espèce Humaine, na qual estipulava, desde as origens do homem, oito períodos históricos possíveis de comparar com as idades da vida humana individual.
No fundo, esta utilização do termo cultura foi empregada num sentido semelhante ao de Adelung pelos historiadores alemães da época.
Quanto à origem da palavra cultura, pensa-se que os historiadores alemães a recolheram da língua francesa atribuindo-lhe uma significação totalmente diferente daquela que defendia no país da Revolução. Primeiramente escrevia-se Cultur o que equivalia a ser um francesismo e posteriormente já no século, XIX passou a escrever-se Kultur o que dá ao vocábulo uma feição mais germânica.
O termo francês é de origem latina - cultura - e significava cuidados com os vegetais (termo agrícola) ou, ainda, culto religioso (termo espiritual), acabando mais tarde por traduzir instrução ou educação superior. É assim que na Idade Média o termo cultura tem o significado de culto religioso, e, ainda, o de cultivo das terras – verbos culturer e couturer – que pretendiam designar a cultura do solo.
Mais tarde, no século XVII, o termo cultura (culture) continuou a referir-se à acção de cultivar a terra, mas, provavelmente por analogia, começou também a empregar-se em frases como: “Cultura das letras” ou “Cultura das Ciências”, para designar de uma maneira geral a formação do espírito no século XVIII. Assim, o termo cultura passou a traduzir o progresso intelectual dum indivíduo ou ainda o trabalho necessário a esse progresso.
O alemão von Irwing traduziu para a sua língua o termo cultura, que Adelung e os seus contemporâneos aproveitaram,para lhe atribuir um sentido mais vasto e ainda por analogia, para designar o progresso intelectual e social do homem em geral, das colectividades e da humanidade. Recebeu então pela primeira vez uma conotação colectiva, mas continuou a conter a ideia de um movimento para a frente, dum aperfeiçoamento, dum devir.
Estes historiadores eram empiristas, embora se possa dizer que reuniam as qualidades de investigadores meticulosos, cuja preocupação se resumia na elaboração duma obra científica em vez de filosófica, resultando dos seus esforços autênticos trabalhos etnográficos. Um aspecto interessante da noção sociológica de cultura é o facto de provir não da filosofia, mas da história.
Em conclusão: primeiramente o termo cultura significava aquilo que, ainda hoje para muitos dos nossos agricultores, se prende com o cultivo dos vegetais, cereais, etc... ou seja, todo um processo do labor sobre o solo arável.
No tocante ao aspecto espiritual ou religioso, o vocábulo pretendia explorar os cultos religiosos, a hagiografia, a exegese dos textos bíblicos, etc...
Actualmente podemos interpretar o conceito de cultura por duas vias distintas. A primeira consiste na aplicação do vocábulo a um certo indivíduo para afirmar o seu grau do formação e de instrução, ou ainda aos cuidados dados ao espírito e às suas ocupações espirituais. A segundo, e aqui é que pessoalmente nos interessa, o conceito de cultura quando empregado em Antropologia ou em Sociologia tem um sentido totalmente diferente dos anteriormente já frisados. Neste caso o conceito pretende traduzir tudo o que numa dada sociedade é adquirido, apreendido e pode ser transmitido.
O objecto da cultura estende-se pois ao quadro da vida social abarcando, naturalmente, todos os seus aspectos, desde os índices tecnológicos, passando pelo cariz das instituições e culminando nas formas de expressão espiritual, as quais, entendidas na sua totalidade, poderão transmitir uma determinada imagem para o exterior, comum a todo um povo, nação, continente ou raça. Tudo depende da especificidade ou da generalidade dos valores que caracterizam uma forma de pensar, agir e sentir.
Daí constatarmos, geralmente, a repartição ou o espartilhamento do conceito de cultura em duas dimensões:
- primeiro como realidade objectiva, isto é, trabalhos realizados enquanto resultado concreto;
- segundo como realidade vivida, ou seja, entende-se como participação numa continuidade actuante, configuração activa de valores, os quais no fundo não são mais do que modelos culturais.
Bem vistas as coisas, a cultura ou o grau de cultura extrai-se através da observação atenta e do estudo minucioso dos valores tecnológicos, artísticos, literários etc., sem esquecer no entanto a análise dos comportamentos e das relações entre os membros da sociedade em causa.
Efectivamente, como remate do nosso pensamento, podemos afirmar, sem receio de tomar a nuvem por Juno, que uma Cultura só poderá ser interpretada pelo próprio contexto cultural em que se insere, usando como níveis os conjuntos de conhecimentos predominantes nas ideias estabelecidas, as crenças, o tipo de norma social e os valores de conduta específico à cultura em si.
Só assim se poderá conhecer e comparar a nossa própria cultura. Resta-nos agora a tarefa de procurar sistematizá-la. Porém, isso ficará para uma próxima oportunidade.
e muito grande !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
ResponderEliminarSo, whаt just is aurawave anyways, and and so
ResponderEliminarpay for the ѕucceeder that it's one of the near low-cost products of it's genіal.
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