José Carlos Vilhena Mesquita
Quando me refiro à imprensa regional e ao jornalismo amador, invadem-me a memória vários amigos de cujo convívio já não posso desfrutar. Todos se irmanaram no altruístico desejo de se tornarem nos particulares arautos das populações e dos concelhos a que pertenciam. Na revista «Algarve Mais» escrevi um amplo artigo sobre o Herculano Valente, que a par do José Maria Barros, são os rostos vivos da nossa imprensa. Também na mesma revista publiquei um desenvolvido trabalho sobre o saudoso amigo Reis d’Andrade, um sobredotado das artes e das letras, a que poucos souberam dar o devido valor.
Ocorreu-me agora falar do José Manuel Pereira, um homem raro, pela sua lhaneza de trato, pelo seu polimento social e gentileza, pela sua inteligência e sólida cultura, muito acima do que seria previsível num homem que transpirava humildade por todos os poros da sua tez de genuíno algarvio. Era um simples e modesto plumitivo, um humilde intelectual estrangeirado, em cuja alma fervilhavam sentimentos de tolerância social e de fortes convicções democráticas, numa terra em que as ideias e as atitudes cívicas eram esquadrinhadas ao pormenor pelos esbirros da PIDE.
José Manuel Pereira foi um jornalista respeitado e um embrionário poeta, de cuja lira não chegou todavia a produzir-se vasta obra. Nasceu em Vila Real de St.º António a 17-6-1922 e faleceu no Hospital Distrital de Faro a 29-3-1998, com 65 anos de idade, quando ainda muito havia a esperar do seu talento literário.
Embora fosse um homem de grande inteligência não teve uma instrução académica produzida pela frequência da escola, mas antes pelo seu esforço e dedicação tornando-se num autodidacta de sólida cultura geral. A sua avidez pelo saber e pela leitura proporcionar-lhe-ia um profundo conhecimento dos clássicos da literatura europeia.
A sua vida profissional iniciou-a como aprendiz de tipógrafo, na antiga Tipografia Socorro, ou seja, numa actividade ligada precisamente à escrita e à leitura, que eram os seus principais objectivos de vida. Quando foi para a tropa, quis o destino que fosse mobilizado como furriel-miliciano para os Açores, numa altura de crise internacional, em que aquele arquipélago se tinha transformado num ponto estratégico da cobiça internacional e de fundamental importância para o estabelecimento do imperialismo anglo-americano. Aí conviveu com oficiais americanos e empresários britânicos, para cujo estreitamento de relações tratou de estudar com afinco a língua de Shakespeare. E a tal ponto o fez que se tornou um profundo conhecedor na matéria, chegando mesmo a ter fama de competente explicador de inglês para os alunos do ensino liceal.
A sua natural apetência para as línguas tornou-se numa vocação que exercitou de forma exaustiva e continuada ao longo da vida. Fê-lo em larga medida para melhor compreender as obras-mestras da literatura europeia. Por isso estudou afincadamente e pelos seus próprios meios as línguas inglesa, francesa, espanhola e alemã, tornando-se num fluente poliglota. Além disso, o crescimento do turismo no Algarve, com a afluência de cidadãos da Europa central, permitiu-lhe exercitar as línguas que com tanto sacrifício ia aprendendo, servindo de forma desinteressada como cicerone turístico para visitantes ilustres, interessados no passado histórico daquela vila pombalina.
O seu prazer pela leitura permitiu-lhe apurar o estilo e a qualidade da escrita, tornando-se com o decorrer dos anos num apreciado e respeitado jornalista. Poderia mesmo ter ido bastante longe na comunicação social se não fosse a sua modéstia e a natural timidez que o afastava dos elogios e do convívio dos notáveis.
Conhecido pelo seu íntegro carácter de homem sério e honrado, pontificava no meio social vilarealense pela sua bondade e lisura, mas sobretudo pela forma polida com que geralmente impregnava os seus dotes de orador fluente e de prosador emérito. Pelas suas raras qualidades humanas é que José Manuel Pereira se tornou numa referência do Jornalismo algarvio. E quando em 1957 o grande jornalista José Barão decidiu retornar às origens para fundar o Jornal do Algarve, órgão que ainda se publica e que é justamente considerado como o melhor da região, convidou para nele colaborar o seu grande amigo José Manuel Pereira, que em 1966 assumiria a Direcção, por morte do seu fundador. Mais tarde, logo após o “25 de Abril”, aquele órgão optou por uma certa linha editorial que lhe acarretou sérias dificuldades financeiras que quase o levaram à suspensão. Por isso, em 1983 José Manuel Pereira voltou à redacção para recuperar a credibilidade do jornal, voltando a assumir a direcção. Porém, em 1986, quando o jornal retomou a sua posição de liderança no seio da imprensa algarvia, José Manuel Pereira deixou a direcção para voltar a ser um simples colaborador.
Na verdade, não tinha feitio para assumir lideranças, pelo que retomou a sua posição de simples cronista na secção «Brisas do Guadiana», que manteve até à morte. Como homem viajado e culto, tornou-se correspondente de diversos órgãos da imprensa diária, auferindo ridículas remunerações que mais não eram do que verdadeiras esmolas. Das suas viagens e do seu gosto pelo coleccionismo, despontou nele o prazer pela filatelia, como meio de conhecer a cultura e a arte, mas também de incentivar a fraternidade entre todos os povos do mundo. A sua colecção de filatelia não era muito rica, porque a tanto não lho permitiam os seus parcos meios, mas era certamente muito diversificada em número de países a que diziam respeito. No sentido de divulgar a filatelia e de promover o gosto pelo coleccionismo, realizou nos anos cinquenta diversas exposições para jovens no Ginásio Clube Náutico do Guadiana.
Pelo seu carácter íntegro e bondoso dedicou-se à juventude e às actividades desportivas, especialmente ao escutismo e à sua mensagem de fraternidade. Dedicou-se também ao associativismo local, fazendo parte das direcções do Glória F. C., da Associação Humanitária dos Bombeiros Vila-Realenses e do Cine Clube, que ajudou a fundar. Com a humildade que todos lhe reconheciam aceitou, que em 1991 a Câmara Municipal lhe publicasse o seu único livro, Rimas de Quando Jovem, no qual se revelou um poeta de grande sentimento e fino recorte estilístico.
Para terminar devo acrescentar que conheci pessoalmente o jornalista José Manuel Pereira, que me impressionou pela sua estatura física e pela forma educada, quase cavalheiresca, de falar e de tratar as pessoas. Tinha de altura, talvez 1,90 m, era magro, faíscantes olhos de safira, voz quente que usava sempre em tom baixo, às vezes mal perceptível. Era muito tímido e corava facilmente, pela sua natural humildade, sempre que lhe elogiávamos um artigo que publicara no «Jornal do Algarve», ou sempre que lhe enaltecíamos um dos seus acostumados procedimentos de cavalheiro tipo britânico. Aliás o José Manuel Pereira era tão que até possuía uma tez naturalmente avermelhada, muito similar à dos súbditos de Sua Majestade que víamos junto ao cais do Guadiana.
Acerca de José Manuel Pereira, publiquei no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, vol. V, p. 291, a respectiva notícia biográfica, cujos informes naturalmente aqui se aproveitam.
Quando me refiro à imprensa regional e ao jornalismo amador, invadem-me a memória vários amigos de cujo convívio já não posso desfrutar. Todos se irmanaram no altruístico desejo de se tornarem nos particulares arautos das populações e dos concelhos a que pertenciam. Na revista «Algarve Mais» escrevi um amplo artigo sobre o Herculano Valente, que a par do José Maria Barros, são os rostos vivos da nossa imprensa. Também na mesma revista publiquei um desenvolvido trabalho sobre o saudoso amigo Reis d’Andrade, um sobredotado das artes e das letras, a que poucos souberam dar o devido valor.
Ocorreu-me agora falar do José Manuel Pereira, um homem raro, pela sua lhaneza de trato, pelo seu polimento social e gentileza, pela sua inteligência e sólida cultura, muito acima do que seria previsível num homem que transpirava humildade por todos os poros da sua tez de genuíno algarvio. Era um simples e modesto plumitivo, um humilde intelectual estrangeirado, em cuja alma fervilhavam sentimentos de tolerância social e de fortes convicções democráticas, numa terra em que as ideias e as atitudes cívicas eram esquadrinhadas ao pormenor pelos esbirros da PIDE.
José Manuel Pereira foi um jornalista respeitado e um embrionário poeta, de cuja lira não chegou todavia a produzir-se vasta obra. Nasceu em Vila Real de St.º António a 17-6-1922 e faleceu no Hospital Distrital de Faro a 29-3-1998, com 65 anos de idade, quando ainda muito havia a esperar do seu talento literário.
Embora fosse um homem de grande inteligência não teve uma instrução académica produzida pela frequência da escola, mas antes pelo seu esforço e dedicação tornando-se num autodidacta de sólida cultura geral. A sua avidez pelo saber e pela leitura proporcionar-lhe-ia um profundo conhecimento dos clássicos da literatura europeia.
A sua vida profissional iniciou-a como aprendiz de tipógrafo, na antiga Tipografia Socorro, ou seja, numa actividade ligada precisamente à escrita e à leitura, que eram os seus principais objectivos de vida. Quando foi para a tropa, quis o destino que fosse mobilizado como furriel-miliciano para os Açores, numa altura de crise internacional, em que aquele arquipélago se tinha transformado num ponto estratégico da cobiça internacional e de fundamental importância para o estabelecimento do imperialismo anglo-americano. Aí conviveu com oficiais americanos e empresários britânicos, para cujo estreitamento de relações tratou de estudar com afinco a língua de Shakespeare. E a tal ponto o fez que se tornou um profundo conhecedor na matéria, chegando mesmo a ter fama de competente explicador de inglês para os alunos do ensino liceal.
A sua natural apetência para as línguas tornou-se numa vocação que exercitou de forma exaustiva e continuada ao longo da vida. Fê-lo em larga medida para melhor compreender as obras-mestras da literatura europeia. Por isso estudou afincadamente e pelos seus próprios meios as línguas inglesa, francesa, espanhola e alemã, tornando-se num fluente poliglota. Além disso, o crescimento do turismo no Algarve, com a afluência de cidadãos da Europa central, permitiu-lhe exercitar as línguas que com tanto sacrifício ia aprendendo, servindo de forma desinteressada como cicerone turístico para visitantes ilustres, interessados no passado histórico daquela vila pombalina.
O seu prazer pela leitura permitiu-lhe apurar o estilo e a qualidade da escrita, tornando-se com o decorrer dos anos num apreciado e respeitado jornalista. Poderia mesmo ter ido bastante longe na comunicação social se não fosse a sua modéstia e a natural timidez que o afastava dos elogios e do convívio dos notáveis.
Conhecido pelo seu íntegro carácter de homem sério e honrado, pontificava no meio social vilarealense pela sua bondade e lisura, mas sobretudo pela forma polida com que geralmente impregnava os seus dotes de orador fluente e de prosador emérito. Pelas suas raras qualidades humanas é que José Manuel Pereira se tornou numa referência do Jornalismo algarvio. E quando em 1957 o grande jornalista José Barão decidiu retornar às origens para fundar o Jornal do Algarve, órgão que ainda se publica e que é justamente considerado como o melhor da região, convidou para nele colaborar o seu grande amigo José Manuel Pereira, que em 1966 assumiria a Direcção, por morte do seu fundador. Mais tarde, logo após o “25 de Abril”, aquele órgão optou por uma certa linha editorial que lhe acarretou sérias dificuldades financeiras que quase o levaram à suspensão. Por isso, em 1983 José Manuel Pereira voltou à redacção para recuperar a credibilidade do jornal, voltando a assumir a direcção. Porém, em 1986, quando o jornal retomou a sua posição de liderança no seio da imprensa algarvia, José Manuel Pereira deixou a direcção para voltar a ser um simples colaborador.
Na verdade, não tinha feitio para assumir lideranças, pelo que retomou a sua posição de simples cronista na secção «Brisas do Guadiana», que manteve até à morte. Como homem viajado e culto, tornou-se correspondente de diversos órgãos da imprensa diária, auferindo ridículas remunerações que mais não eram do que verdadeiras esmolas. Das suas viagens e do seu gosto pelo coleccionismo, despontou nele o prazer pela filatelia, como meio de conhecer a cultura e a arte, mas também de incentivar a fraternidade entre todos os povos do mundo. A sua colecção de filatelia não era muito rica, porque a tanto não lho permitiam os seus parcos meios, mas era certamente muito diversificada em número de países a que diziam respeito. No sentido de divulgar a filatelia e de promover o gosto pelo coleccionismo, realizou nos anos cinquenta diversas exposições para jovens no Ginásio Clube Náutico do Guadiana.
Pelo seu carácter íntegro e bondoso dedicou-se à juventude e às actividades desportivas, especialmente ao escutismo e à sua mensagem de fraternidade. Dedicou-se também ao associativismo local, fazendo parte das direcções do Glória F. C., da Associação Humanitária dos Bombeiros Vila-Realenses e do Cine Clube, que ajudou a fundar. Com a humildade que todos lhe reconheciam aceitou, que em 1991 a Câmara Municipal lhe publicasse o seu único livro, Rimas de Quando Jovem, no qual se revelou um poeta de grande sentimento e fino recorte estilístico.
Para terminar devo acrescentar que conheci pessoalmente o jornalista José Manuel Pereira, que me impressionou pela sua estatura física e pela forma educada, quase cavalheiresca, de falar e de tratar as pessoas. Tinha de altura, talvez 1,90 m, era magro, faíscantes olhos de safira, voz quente que usava sempre em tom baixo, às vezes mal perceptível. Era muito tímido e corava facilmente, pela sua natural humildade, sempre que lhe elogiávamos um artigo que publicara no «Jornal do Algarve», ou sempre que lhe enaltecíamos um dos seus acostumados procedimentos de cavalheiro tipo britânico. Aliás o José Manuel Pereira era tão que até possuía uma tez naturalmente avermelhada, muito similar à dos súbditos de Sua Majestade que víamos junto ao cais do Guadiana.
Acerca de José Manuel Pereira, publiquei no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, vol. V, p. 291, a respectiva notícia biográfica, cujos informes naturalmente aqui se aproveitam.
Na foz do Odeleite, um grupo de jornalistas constituído por Adérito Vaz, Geleate Canau, José Manuel Pereira, o filho do Geleate e o Padre Clementino Pinto.
Querido Professor e Amigo:
ResponderEliminarAgradeço-lhe ter acabado por decidir criar este espaço a favor da história e da cultura do Algarve.
Não irá passar nenhum "post" sem eu o ler e quando for caso disso tirar os meus apontamentos.
Faço o comentário neste artigo porque os elementos que possuo sobre essa grande figura de jornalista, democrata e homem de cultura que era algarvio, pecava por serem poucos e que agora ficaram enriquecidos.
José Manuel Pereira com quem falei três ou quatro vezes, acabou por ter grande influência na minha actividade de "escrevinhador".
Parabéns e um grande abraço de admiração e amizade.
José Varzeano
Obrigado Zé Varzano pelas suas palavras. O meu Blog está a dar os primeiros passos. E como ainda não domino bem a técnica de arrumar a informação, os "posts" estão ainda um pouco a esmo com um aspecto amontoado e desordenado.
ResponderEliminarO José Manuel Preira foi um verdadeiro gentleman no jornalismo algarvio. Infelizmente o «Jornal do Algarve» devia ter-lhe prestado uma homenagm a condizer com a sua grandeza de espírito e sobretudo com a sua infinita bondade.
Homens como o José Manuel Pereira, já não se encontram neste mundo, onde campeia mediocridade e só o aventureirismo dos incompetentes consegue relegar para a obscuridade aqueles que têm verdadeiro talento para reivindicarem um merecido lugar ao Sol.
Um abraço do Vilhena Mesquita
PS - Parabéns pelo seu blog «Alcoutim Livre», que está cada vez melhor.