sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A Vida é um poema inscrito num poliedro de sentidos

José Carlos Vilhena Mesquita

Tudo na vida tem um sentido, uma explicação lógica e plausível, uma justificação ética dos nossos actos e dos nossos passos, reservando-se para os misteriosos recônditos da alma a intransmissível expressão dos sentidos. A vida, na sua intercepção da realidade material com a fantasia mítica, na sua imensidão cósmica geradora dessa fragilidade gnosológica que nos empurrou para um misticismo avassalador, suscitou diversas e incontornáveis interrogações às quais tentaram responder a racionalidade intelectual e o cientificismo material. Dessa aliança, da razão com o conhecimento, desenvolveu-se a Civilização e progrediu a Cultura Humana. É por isso que a vida constitui uma viagem de evolução e apuramento, não só do conhecimento científico como também da espiritualidade humana. Ora é nesse trajecto de responsabilidade social e de obrigação moral que se desenvolve a vida social, e muito especialmente a espiritualidade humana, nas suas cambiantes artísticas mais expressivas, como é o caso da música e da poesia.
É precisamente das circunstancialidades da vida, traçada num rumo intercontinental, que se expressa este livro, espécie de retrato espiritual da existência, quase missionária, de um médico que sente na alma as mágoas e padecimentos daqueles que sofrem, na carne e no espírito, da desigual partilha das riquezas materiais, num mundo de diferentes realidades económico-culturais, marcado porém por uma avassaladora indiferença geral. O sentido de justiça e o frémito da dor dilaceram o espírito do homem de ciência, que da luminosa França, berço da ilustrada liberdade, parte para a América, profunda e pobre, para a mítica cordilheira dos Andes, enlevado na jubilosa missão de acudir aos desventurados da sorte, a quem a doença roubava a alegria de viver. Com o coração a latejar de compaixão pelos mais desprotegidos, viajou pela rota da miséria, tercendo armas no campo da batalha sanitária. Os melhores anos da sua vida deixou-os embarcar numa viagem de generosa partilha, navegando entre mundos desconhecidos, erguendo mastros de fraternidade e enfunando velas de esperança, na humilde vontade de ajudar os desafortunados filhos de um Deus menor.
O próprio título deste livro, Cosmopoles, traduz o poliedro cosmopolita em que se espraiam diferentes culturas, sem necessariamente se entrechocarem, amalgamarem ou fundirem, respeitando-se na admiração das suas diferenças. O médico François Blanc partilhou a sua vida com os mais necessitados, levando-lhes a ciência envolta numa palavra de generosidade, incutindo ânimo aos que sofriam, e transmitindo confiança aos que resistiam no silêncio da revolta. Repartiu com as crianças uma mensagem de fé e um sorriso de esperança, acalentando nelas o sonho de poderem construir, sobre os escombros do neocolonialismo, um mundo melhor, mais justo e mais fraterno, sem diferenças de raças nem distinções de classes.
Foi com a alma repartida pelo confronto dos mundos atlânticos, que as certezas da sua ilustração científica se transformaram em escrupulosas interrogações, em perplexas incertezas e permanentes hesitações. O homem de ciência feito, deixou-se enlear na teia na dúvida espiritual, como se afinal para tudo houvesse duas verdades e duas certezas, porque no seu coração não existe lugar para a mentira nem para a negação. O mundo é como a própria vida, um espaço de diversidades e de incertezas, projectado num poliedro de sentidos, em que só as emoções nos fazem sentir o direito e a necessidade de sermos felizes. Entre os vários poemas que compõem este livro permitam-me que destaque a “Botelha do mar”, Eclusas”, “Caminho da porta estreita” e “Sonho de Poeta” que ilustram perfeitamente a inspiração poética e a qualidade artístico-intelectual do autor, cuja obra já anteriormente publicada constitui suficiente garantia para sugerirmos e vivamente aconselharmos a leitura deste Cosmopoles.


Nota: Prefácio ao livro de poesia Cosmopoles, da autoria do Dr. François Louis Blanc

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