José Carlos Vilhena Mesquita
Homem singular, uma estrela cintilante do salazarismo que ainda brilha na história do nosso país e na saudade do povo algarvio. Não foi propriamente um político, mas tão simplesmente um estadista activo e competente, construtor material do progresso pátrio, mas igualmente regenerador da imagem do homem público do século XX, do político da nova vaga. Essa era, por estranho que pareça e nos custe admitir, a vaga renovadora do “Estado Novo”.
Jovem, inteligente, prático e sobretudo simpático, de sorriso aberto, de palavra chã e segura. Tinha uma memória prodigiosa, fixando rostos, lugares, conversas e compromissos. Nunca faltava com a palavra dada. Era um homem sério e fiável, muito diferente da imagem deixada pelos políticos que o precederam. Fazia do seu gabinete o seu lar, sem horas para comer ou conviver com os amigos. E quando era preciso estar nas obras, fazia-o com o maior sentido de responsabilidade, mesmo que isso lhe representasse um forte incómodo. A sua postura era a do comum cidadão, tratando os engenheiros e os trabalhadores das obras com a mesma deferência e às vezes pelos seus nomes próprios. Surpreendia tudo e todos, especialmente pelo facto de não ser preciso ir ter com o ministro, já que era o ministro que ia ter com eles, analisando e discutindo o andamento das obras. Só a rotina, a inoperância ou a pura estupidez o faziam perder as estribeiras.
Por vezes enfurecia-se e levava tudo a eito, distribuindo reprovações sem olhar a quem. Rodeou-se de um “staf” de gente especializada e mais ou menos da sua geração. A todos exigia dedicação e sacrifício, a receita mestra da competência. Solicitava sempre as opiniões dos que o rodeavam e aceitava críticas às suas opiniões. Mas depois de decidir já não voltava atrás. Tinha uma personalidade de ferro. E o que mais apreciava num homem era o esforço e a lealdade. Tinha uma numerosa equipa de colaboradores, engenheiros e arquitectos, cujas relações de trabalho nem sempre eram pacíficas. Tinha pois que gerir um largo potencial de talento criativo, que muitas vezes se entrechocava gerando dissenções e conflitos a que o Ministro acorria com o tacto dum apaziguador. Por isso reagia leoninamente contra a intriga e a traição política.
Enfrentava, quando necessário, tudo e todos, desde que tivesse a certeza de estar a terçar armas pela verdade. Mas depois era ele quem sofria, porque a sua úlcera reagia dolorosamente aos efeitos da irritação nervosa obrigando-o a recorrer à sua inseparável garrafa-termo, contendo o leite que lhe servia de calmante natural. A doença agrava-se pelo stress da sua excessiva dedicação ao trabalho, causando-lhe ao mesmo tempo um certo afastamento duma vida normal e regrada. Embrenhado nos seus projectos de inveterado sonhador, esquecia-se da vida social e das elementares refeições, tornando cada vez mais insuportável a sua doença. Para agravar a situação abusava do cigarro, nunca se chegando bem a saber quantos maços fumava por dia, porque também nunca se chegou a saber quantas horas durava o seu dia de trabalho. Era um vulto de compleição superior, cujas virtudes superavam os defeitos. Tinha uma ampla visão das coisas e o conhecimento perfeito da realidade. Superioridade e indiferença à ingratidão e à crítica. Desprezo pelo que era medíocre, pelo hesitante, pelo provisório e pelo provisório, eram alguns dos atributos que marcavam a sua forte personalidade. Possuía um optimismo natural resultante da confiança que tinha em si próprio e da certeza no seu experimentado conhecimento como técnico e homem de estado.
Acima de tudo Duarte Pacheco era a imagem do salazarismo. Os seja, representava os atributos naturais em que se inspirava a filosofia política do exaustivamente propalado ressurgimento nacional. O conceito de ressurgimento, tão propagandeado na Itália de Mussolini, não era mais do que uma forma dourada de traduzir o fascismo europeu. Os atributos do homem do ressurgimento eram precisamente a dedicação à pátria e aos seus valores históricos, a preservação moral e o amor à família, o gosto pelo trabalho, a eficiência profissional, o respeito pelas hierarquias, a determinação nacionalista e a lealdade ao governo. Era nesses vectores que se inspirava o Estado Novo e a ideologia corporativista de Salazar. Falta apurar, com indefectível certeza, se Duarte Pacheco era ou não um apologista do ideário fascista e um convicto apoiante do corporativismo salazarista. Presumo, sinceramente, que era nacionalista, no sentido liberal do termo, e acima de tudo um indubitável admirador de Salazar. Tenho dúvidas que possa ser etiquetado como fascista, corporativista ou mesmo como salazarista, no sentido da estreme sujeição ao chefe. O que não tenho dúvidas é que existiam semelhanças entre ambos, não tinham vida familiar e dedicavam-se com grande sacrifício das suas vidas pessoais à causa pública. Por outro lado, fizeram-se a si próprios com parcos recursos materiais e emergiram dum completo anonimato provinciano, aureolados como homens modelados no barro da honestidade, da competência, do sacrifício e da perseverança. Mesmo discordando dos seus trajectos políticos não podemos ignorar a pujança nacional que ambos possuíam, pujança essa estribada na popularidade e num certo misticismo sebastianista.
Acima de tudo Duarte Pacheco foi um sonhador, um homem desejoso de atingir a perfeição, talvez inspirado no revolucionário espírito de reconstruir a imagem dum país em desacreditada agonia internacional, ainda que percepcionando a grandeza das suas concepções às naturais proporções económicas da pátria. Em todo o caso sempre na paradoxal ânsia de projectar para um século, rentabilizando desse modo as parcas disponibilidades financeiras dum país pobre.
Refazer, reconstruir, renovar e principalmente reinventar, foram as linhas de força do Ministério das Obras Públicas e da personalidade política de Duarte Pacheco. O volume de obras públicas, a que chamou o processo de realizações materiais, foi de tal forma extraordinário e grandioso para o país que, a par da não intervenção na guerra, cobriu o regime salazarista duma inatingível popularidade nacional e dum incomparável prestígio internacional. A verdade é que o período áureo do salazarismo correspondeu exactamente ao período de melhoramentos estruturais levados a efeito pelo ministro Duarte Pacheco. Os grandes beneficiários da esforçada obra de Duarte Pacheco foram o país e Salazar. A sua morte prejudicou ambos, embora o seu exemplo perdurasse para sempre como um paradigma que a todos cumpria imitar.
Obras no Algarve
Foi o primeiro estadista a exigir dos municípios maior responsabilização e rigor no desenvolvimento regional, assente em «Planos Gerais de Urbanização e Expansão», algo similares com os nossos Planos Directores Municipais.
Para a celeridade da sua política de “realizações materiais” criou à sua volta vários organismos públicos chefiados por pessoas da sua confiança e que despachavam directamente com ele, formando uma rede paralela na administração pública, que eram as Juntas, Comissões e Delegações que cobriam os principais sectores públicos, desde o ensino à assistência hospitalar, comunicações postais e telefones, Polícias (GNR e Guarda Fiscal) Alfândegas, Caixa Geral de Depósitos, Hidráulica Agrícola, etc. Tudo era pensado nesses organismos mas nada se decidia senão em despacho directo com o ministro. O centralismo era próprio do regime.
Para acelerar a construção das obras procedia-se a um ardiloso processo de municipalização de terrenos urbanizáveis, através de expropriações que evitassem a aquisição e especulação pelos construtores privados e a sua inflacionação pelos proprietários. O município proprietário urbano foi uma estratégia até de enriquecimento camarário.
A grande obra de Duarte Pacheco para o Algarve está na criação de infra-estruturas básicas. Nisso se acentuaria a sua permanente intervenção no Algarve. A obra mais generalizada de desenvolvimento regional foi o calcetamento de ruas estradas de acesso às grandes cidades algarvias. Mas foi sobretudo no apoio e incentivo à expropriação de terrenos urbanizáveis que mais se fez sentir a sua intervenção. Em todo o caso as Câmaras não tinham na sua grande maioria capacidades financeiras para custear essas expropriações, o que por vezes inviabilizou a realização de muitas obras. Estão neste caso a maioria dos municípios algarvios, exceptualizando-se talvez o de Faro, que pela sua grandeza e poder demográfico suportava melhor os investimentos.
De qualquer modo verificamos que a gestão dos melhoramentos rurais e desenvolvimento urbano das vilas algarvias fazia-se de uma forma pontual, cifrando-se em apoios financeiros do MOP para a realização de restauros em edifícios públicos, nas estradas, nos cemitérios, fontanários, pontões e encanamento de ribeiras, construção de mercados de abastecimento local, pavimentação e calcetamento de estradas e arruamentos, abertura de caminhos rurais, recuperação de edifícios históricos (sobretudo Igrejas, castelos, fortes e fortalezas) e públicos como Câmaras Municipais, escolas primárias e Comerciais, Liceus, bibliotecas, etc; reparação dos hospitais das misericórdias, construção de asilos, saneamento básico, abastecimento de água e luz eléctrica, aterros sanitários, enxugamento de pântanos e terrenos lodosos, etc.
Entre essas obras merecem destaque a abertura de novos furos artesianos e a reformulação do abastecimento público de água à cidade de Faro.
A Electrificação urbana das principais cidades algarvias, integradas no Plano Geral de Electrificação do País, através da rede pública, criando um monopólio de exploração ainda hoje vigente.
O melhoramento das vias de acesso ao Algarve e suas principais vias de comunicação, integrando-as no Plano Rodoviário Nacional. Merece destaque, pelas suas dificuldades de execução e altos custos, a estrada de ligação de Alcoutim com o Alentejo e Algarve; também foram elevados os custos de execução da estrada de Monchique para a Fóia, mandada construir pelo próprio Eng.º Duarte Pacheco que por mais de uma vez veio pessoalmente inspeccionar o andamento das obras.
Bairros Económicos, destinados a alojarem famílias de baixos rendimentos, construídos em Portimão, Olhão, Fuseta, Faro, Loulé, etc.
Equipamentos turísticos, nomeadamente a Pousada de São Brás de Alportel, cujo local escolheu pessoalmente. O Hotel de Sagres, a Pousada da Ria em Faro, etc. Patrocinou a publicação de material de propaganda em colaboração com a SPN de António Ferro. Tratou pessoalmente do Plano de Valorização da Praia da Rocha e sugeriu a construção da estrada Oceano, que ligaria a cidade de Faro à praia da Ilha.
Equipamentos portuários, nomeadamente em Alcoutim, Portimão, Vila Real de St.º António e no tão propalado porto de Faro-Olhão.
Quartel da Guarda Republicana de Tavira, Centro de Saúde de Loulé, estação de Telégrafo Postal de Loulé, Mercado Municipal de Faro, etc.
Liceu de Faro, cujo local no cimo da Av. de St.º António, e não na zona de S. Luís, foi por ele escolhido, inclusivamente com as proporções ditas exageradas para a época. Em conversa com o Presidente da Câmara de Faro, o Eng.º Duarte Pacheco teria afirmado: “Aqui sim, fica bem o edifício do Liceu, em remate desta avenida que será urbanizada. Muito ar, muita luz e paisagem grande. Um Liceu para o futuro.”
Mas de todas as obras a mais importante ou talvez a mais mediática terá sido as Comemorações Centenárias do Mundo Português, efectuadas em 1940, nas quais se integrou o Algarve através de uma majestosa exposição realizada no Largo de São Francisco em Faro, onde estiveram representadas todas as actividades económicas e industriais da região, assim como os municípios algarvios. Estas comemorações estenderam-se a Lagos e a Sagres com várias manifestações culturais e alguns melhoramentos locais. O Comissário Geral da Exposição foi o pintor Carlos Porfírio, sendo presidente da Comissão Executiva Nacional o Dr. Júlio Dantas, cabendo ao Eng.º Duarte Pacheco a honra de inaugurar a exposição e descerrar o monumento ao Bispo D. Francisco Gomes do Avelar em 14-6-1940.
Se mais não fez pelo Algarve foi porque de facto a capacidade de endividamento dos municípios algarvios, era diminuto para fazer face aos custos resultantes das expropriações de terrenos destinados à implantação dos chamados “melhoramentos materiais”. Essa incapacidade financeira derivava dos baixos rendimentos das próprias edilidades. Isso levaria, inclusivamente, o Eng.º Duarte Pacheco ao seguinte desabafo publicado na imprensa da época: “Queixam-se os Algarvios de que faço pouco pelo Algarve. O certo é que os algarvios pedem pouco, talvez porque as Câmaras não podem sustentar maiores encargos, ao contrário de muitas Câmaras de outras províncias.”
Num livro sobre as memorias de Salazar, o autor( qualquer coisa Costa) deu a entender que Salazar tinha ciúmes de Duarte Pacheco e que aquele acidente que o vitimou foi muito suspeito e que tudo foi abafado e silenciado para que ficasse para a história que Duarte PAcheco tivesse morrido de acidente na recta de Pegões, no seu mercedes que embateu numa árvore!
ResponderEliminarTambém é a sua opinião ?
O anonimato é sempre uma forma pouco correcta de expressar opiniões
EliminarTem toda a razão, amigo Queiroz Lopes, no entanto aceito sempre essa possibilidade de não revelação da identidade dos meus leitores, desde que não me ofendam ou expressem palavras grosseiras e inconvenientes. Obrigado pela sua intervenção, e volte sempre ao convívio deste blogue.
EliminarPrezado Amigo:
ResponderEliminarNão acredito nessa tese da conspiração. O Salazar nunca faria uma coisa dessas à figura que mais e melhor ilustrava o seu consulado político. O local da morte não foi a recta de Pegões e o automóvel não era da marca Mercedes.
Foi, na verdade, um mero acidente rodoviário que vitimou o Duarte Pacheco. Repare que, na altura, o Duarte Pacheco parecia ter saído ileso, sem ferimentos visíveis. Mas uma hemorragia interna, creio que por perfuração do fígado, acabaria por ditar a sua morte, sem que nada pudesse ser feito para o salvar.
É minha convicção que Salazar estimava-o muito, embora soubesse que o Duarte Pacheco não era um nacionalista convicto, como acontecia com todos os apoiantes da política corporativa e neo-fascista, em que se estribava o regime do Estado Novo.
Um abraço do Vilhena Mesquita
Agradeço-lhe o seu comentário.
ResponderEliminarO Livro que eu li é do Fernando Dá Costa, e deixava uma dúvida pelo facto de Salazar nunca ter lamentado, nem sentido , a morte de Duarte PAcheco.
O autor nem sequer formulou qualquer tese, apenas deixou a duvida!
Prezado Amigo:
ResponderEliminarO livro do Fernado Dá Costa é um bom livro, que se lê com muito agrado. Alguns capítulos são bastante interessantes pelo estilo memoralista do texto. O Dá Costa chegou a conhecer pessoalmente Salazar, quando era ainda um jovem. E só o conseguiu porque era filho do Aurélio Márcio, figura cimeira do jornal «A Bola». Ora o Salazar era adepto do Benfica, e por isso o clube se transformou no espelho do regime. Foi através do pai que ele conseguiu um lugar de jornalista na Assembleia Nacional, e como tinha uma figura física muito curiosa (parecido ao Prof. Pardal da banda desenhada) o Salazar fez questão de o conhecer pessoalmente.
O livro espelha essas recordações de uma forma brilhante.
Em todo o caso, não querendo colocar em causa a importância dessa obra, creio que em relação ao Duarte Pacheco o jornalista/escritor Fernando Dá Costa não tem razões de espécie alguma para colocar a hipótese de um assassinato político.
O regime fascista poruguês foi políticamente autoritário, mas estev e longe de poder ser considerado como uma ditadura musculada, com assassinatos políticos e desaparecimentos inexplicáveis. O único caso mais escandaloso e mediático foi o assassinato do Humberto Delgado.
Receba um abraço do Vilhena Mesquita
Caso me seja permitido, gostaria de dar uma chega quanto ao local do acidente que, na realidade não se registou na recta de Pegões mas sim, a meio caminho entre Vendas Novas e uma povoação chamada Silveiras. Aliás o local está assinalado por uma espécie de obelisco.
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário. São achegas como a sua que enriquecem este blogue.
ResponderEliminarVolte sempre, e mais uma vez obrigado pela sua participação.
Um abraço do Vilhena Mesquita
Boa Tarde
ResponderEliminarGostaria de adquirir o livro sobre Mário Lyster Franco. Como posso fazê-lo?
Por outro lado estou muito interessada na figura de Carlso Porfírio enquanto etnógrafo. Acho qu eo seu interesse começou nas comemeoraç~eos de 1940 quando organizou uma exposição etnográfica no largo de S Luis que viria a ser desmantelada depois.
Entre 1940 e 1962 o que acontece a Carlos Porfírio e à sua paixaõ pela etnografia?
Boa Tarde
ResponderEliminarGostaria de adquirir o livro sobre Mário Lyster Franco. Como posso fazê-lo?
Por outro lado estou muito interessada na figura de Carlso Porfírio enquanto etnógrafo. Acho qu eo seu interesse começou nas comemeoraç~eos de 1940 quando organizou uma exposição etnográfica no largo de S Luis que viria a ser desmantelada depois.
Entre 1940 e 1962 o que acontece a Carlos Porfírio e à sua paixaõ pela etnografia?