sábado, 15 de agosto de 2009

Aljezur, um oásis no turismo algarvio


José Carlos Vilhena Mesquita

Quando há dias relia o Pão Incerto, fabuloso livro de Assis Esperança, cujo cenário narrativo decorre entre os frescos campos e os vergéis pomares da vila de Alfamar, uma láctea cascata de campestres moradias escorrendo pela vertente soalheira de um castelo altaneiro, lembrei-me da vila de Aljezur e de toda a sua envolvência paisagística, cujos reflexos matinais revelam timbres diamantinos de rara e valiosa jóia, encastoada nas faldas da serra algarvia, desaguando ténue e serenamente nas águas cristalinas da costa vicentina.
No romance de Assis Esperança, publicado em 1964, a vila de Alfamar é, claramente, a actual Aljezur, descrita como uma terra de gente sofredora cujo magro sustento granjeado na paludosa safra do arroz, e agravado pelas constantes crises de trabalho, davam origem à migração dos serrenhos algarvios para a extenuante monda das férteis searas do Alentejo. Os laços de dependência criados ao longo dos tempos fizeram do camponês um servo, uma força de trabalho submissa, desprovida de ambições e sem projectos de futuro. A vida desses pobres aldeões, vivia-se no imediato da sobrevivência, sem o amanhã da esperança.
Mas os tempos, ficcionadamente romanescos do Pão Incerto, foram-se alterando para novas realidades e diferentes quadros socioeconómicos, despertando a consciência dos trabalhadores rurais e politizando as novas gerações. Os resultados surgiram de forma surpreendente nas eleições de 1958 quando os aljezurenses votaram maioritariamente no general Humberto Delgado. A partir desse gesto de coragem cívica, a vila de Aljezur deixara de ser a Alfamar de Assis Esperança. Foi como se nesse momento adquirisse a sua carta de alforria. O serrenho transformou-se paulatinamente em próspero agricultor, ou em pequeno empresário agrícola, procurando nas férteis várzeas de Aljezur e de Odeceixe novas e mais rendáveis produções, passando do arroz para o amendoim, e hoje para a batata-doce, numa clara demonstração da sua inteligência mercantil, da sua visão e capacidade de trabalho, do seu sentido de adaptação a novos desafios.

A dedicação e o sacrifício de autarcas modelares

O povo de Aljezur (a par do de Alcoutim), foi sempre o mais esquecido do Algarve, diria até que o mais marginalizado pelos poderes político-administrativos de Faro e de Lisboa. Durante décadas consecutivas ignoraram a existência daquele povo, privando-o das estruturas básicas de desenvolvimento social, como por exemplo dum cine-teatro, uma biblioteca, uma escola secundária, um hospital, um tribunal, e toda uma panóplia de meios de progresso cultural, aperfeiçoamento cívico e de expansão económica, que não facilitaram o crescimento daquele belo concelho ao ritmo dos seus congéneres do litoral.
Mas nesta última década, a autarquia aljezurense tem dado provas de grande sacrifício e aplicação ao trabalho, conseguindo erigir novos equipamentos de apoio social, cultural e desportivo, protegendo os idosos e os doentes, promovendo as iniciativas dos jovens e incentivando os munícipes a acreditarem num futuro risonho para o seu concelho. Nos últimos anos, a autarquia promoveu a construção de lares e casas de repouso para os idosos mais pobres, construiu bairros sociais nas encostas soalheiras (de belo efeito estético, e não os acostumados pombais humanos), apoiou a criação de equipamentos turísticos, subsidiou as associações locais de promoção cultural, recreativa e desportiva, construiu uma escola secundária, edificou um magnífico pavilhão gimnodesportivo, abriu um arquivo histórico, uma galeria de arte, fundou cinco museus, etc., etc… Num esforço gigantesco e incomparável, os autarcas de Aljezur conseguiram acelerar o progresso do seu concelho, transformando-se num modelar exemplo de competência, dedicação e sacrifício.

A pureza ambiental é a pedra filosofal de Aljezur

Os aspectos que mais me sensibilizam quando visito Aljezur – para mim o mais belo concelho do Algarve – são sobretudo a pureza ambiental e a beleza paisagística do casario que sobe até ao castelo, por entre ruelas estreitas e sinuosas, íngremes ladeiras no ardor da cal, que nos levam, no olhar atento da calçada acutilante, para as cumeadas do seu velho castelo árabe. Lá no alto, espraiando o olhar sobre o horizonte, depara-se-nos a várzea fértil, tricotada em viçosas leiras, o prateado reflexo do rio cristalino, a ebúrnea colina da Aldeia Nova, e a entrecortada linha verde da serra… Um quadro de ímpar beleza que nos faz sentir senhores do mundo, como nos tempos dos espatários conquistadores.
A pureza ambiental é a pedra filosofal de Aljezur. Paira no ar um silêncio saudável, uma reconfortante paz natural, pendularmente desperta pelo chilrear dos pardais e pelo rumorejar das águas da ribeira, debaixo da fresca sombra e do ar perfumadamente doce das gigantescas tílias, que junto à ponte marginam a ponte de entrada na vila ribeira. No pequenino jardim junto à ponte, sente-se o afago da mão de Deus num inebriante sopro de vida… É um recanto de rara sensibilidade poética, um lugar incomparavelmente único neste Algarve de praias saturadas de gente, de trânsito congestionado, de stressante convivência humana e de florestas de betão armado que nos esmagam o olhar.

Praias paradisíacas de cristalinas águas e dourados areais

As praias de Aljezur são, pelo contrário, calmas e sossegadas, de cristalinas águas e extensos areais. São de uma beleza insofismável. Quando pela primeira vez desci à praia da Arrifana, com seu portinho de pesca embutido arrumado na falésia, fiquei com a sensação de estar num qualquer recanto paradisíaco dos Açores. Devo, aliás, acrescentar que não conheço no Algarve uma terra tão similarmente açoreana como Aljezur. Tem flagrantes analogias na arquitectura, no esplendor da cal e na humildade do casario, nas hortas emparceladas das várzeas aluviais, nos frondosos pomares, nas praias límpidas e na riqueza piscícola das suas águas, enfim até na religiosidade e nas tradições etnográficas parecem irmãs, porque são filhas da mesma cultura e da mesma exuberante e generosa Natureza.
Não vou descrever as praias do Amado, da Bordeira, da Arrifana, do Monte Clérigo e de Odeceixe, porque todas elas são de assombrosa beleza, nas suas alcantiladas encostas de negro basalto ou de purpureado grés, sobre as quais batem safirosas ondas, que se espraiam sobre o fulvo areal em leitosas torrentes de espuma. Aquelas ondas são ricas em reconstituintes naturais, de oxigénio e iodo, que tonificam os corpos dos banhistas que demandam aquelas paragens. Os grandes utentes desta costa paradisíaca têm sido os surfistas, que do mundo inteiro visitam anualmente estas praias, sobretudo as do Amado e da Bordeira, justamente colocadas entre as primeiras no ranking do surf europeu. Deixo ao leitor e hipotético visitante o prazer de descobrir as praias menos conhecidas e frequentadas, como as de Vale do Homem, Carriagem, Amoreira, Carrapateira, etc.

Gastronomia rica e variada

Os que não se deleitam com a pureza do ambiente, nem com o exotismo das praias, desprezam a beleza paisagística e a riqueza do património histórico, podem sempre deliciar-se com a magnificência gastronómica do concelho de Aljezur. Desde a praia de Odeceixe (talvez a mais bela do Algarve) até à Carrapateira, perto de Vila do Bispo, não faltam restaurantes com ementas variadas de peixes e mariscos. Sargos e robalos, são de uma incomparável qualidade e sabor. Santolas, sapateiras e percebes são os mariscos tradicionais das águas puras e cristalinas daquelas praias. Por mim sempre prefiro uma “massada de tamboril ou de cherne” na Fortaleza da Arrifana. Também gosto muito do “marisco” do Rogil (pequena freguesia a seguir a Aljezur), isto é, uma bela costeleta de novilho criado nos verdejantes prados de Maria Vinagre. É só uma sugestão...

A maior concentração museológica do país

Mas acima de tudo, o que mais me encanta em Aljezur é o facto de ser a vila portuguesa com mais museus por metro quadrado. E não se pense que são de exígua qualidade ou de banal importância. Aprecio sobretudo o museu de Arte Sacra, com riquíssimo acervo de alfaias e paramentos religiosos do séc. XVI a XVIII. O humilde Museu Antonino, na antiquíssima ermida de St.º António, possui um escasso espólio, mas é genuíno e muito fresco numa íngreme encosta soalheira, escaldante em dias de Verão, espécie de entreposto para descansar o olhar, a meio caminho entre a várzea verdejante e o Castelo roqueiro. Por fim, a Casa de José Cercas, notável artista ali nascido, infelizmente pouco conhecido, mas autor de uma valiosa obra que o visitante pode descobrir paulatinamente, mas com muito cuidado para não tropeçar esbarrar nas milhentas (rigorosamente milhentas) peças de arte que o pintor foi coleccionando ao longo da vida. A casa é demasiado pequena para tão vasta herança artística. O Museu Etnográfico e Arqueológico, nos baixos da antiga Câmara, onde também existe uma magnífica galeria de arte, os restos do antigo Pelourinho em cuja praceta se recupera o fôlego para subir à Igreja da Misericórdia, de belo pórtico renascentista, são alguns dos locais que merecem uma visita atenta. Mas se o turista não quiser perder pitada do imaginário árabe-cristão, aconselhamos uma visita à «Fonte das Mentiras» e sobretudo ao Castelo sarraceno, com suas carcomidas torres e uma antiga cisterna mourisca, em cujas imediações fica o tenebroso «degoladoiro», onde os cristãos dizimaram os resistentes oponentes, supostamente sepultados no «Monte das Cabeças».
Por fim, sugerimos uma visita à Igreja Matriz mandada construir, após os desastrosos efeitos do terramoto de 1755, pelo bispo D. Francisco Gomes do Avelar, no cume duma airosa colina do outro lado do rio. Sagrou-a aquele prelado em 10-9-1809 e deu-lhe a invocação de Nossa Senhora da Alva. Ao local chamou-lhe “Aldeia Nova”, por ser dali que nasce a alvorada e por ser ali que se respiram os melhores ares, na expectativa de atrair as novas construções habitacionais dos seus paroquianos. Mas tal não aconteceu. Só praticamente depois da década de setenta é que a aldeia cresceu e hoje é um mimo de vida e de beleza turística.

A pureza ambiental provoca assimetrias de desenvolvimento

Apesar de Aljezur ser inquestionavelmente o último paraíso do Algarve, não tenho dúvidas de que se trata de uma vila profundamente carenciada, cujos autarcas se sentem muitas vezes impotentes para satisfazerem as reivindicações dos seus munícipes, pois que sob a aura da conservação ambiental, vivem praticamente envoltos num espartilho que mal os deixa respirar. Falta muita coisa, que os autarcas gostariam de empreender. Mas acima de tudo Faltam-lhes os meios financeiros para o fazer, porque o concelho carece de rendimentos suficientes para sustentar o seu próprio desenvolvimento. Isto é muito injusto, porque nos concelhos do litoral algarvio os rendimentos fiscais provenientes da contribuição autárquica são avultadíssimos, enquanto que em Aljezur são escassíssimos, devido às constantes proibições das entidades ambientais que impedem a aprovação de resorts turísticos, novos aldeamentos, campos de golfe ou outros equipamentos congéneres. Por um lado, compreende-se, mas por outro é inaceitável que o Estado não atribua à autarquia meios de compensação financeira que lhe permitam encontrar novas vias de desenvolvimento sustentável sem ferir a pureza ambiental nem o equilíbrio paisagístico.
Quem vive em Aljezur conhece estes estrangulamentos provocados pelos gabinetes ministeriais, que muitas das vezes nem sequer conhecem aquele concelho. Para os jovens, sobretudo para os que concluem cursos superiores ou de especialização técnica, são cada vez mais escassas as perspectivas de futuro na sua terra-natal, pois que não havendo investimento nos sectores produtivos, nomeadamente no terciário, ou seja, no turismo, dificilmente haverá postos de trabalho e prosperidade económica no concelho.
Cremos que as autoridades governativas têm de ponderar devidamente este problema, sob pena de estarem a penalizar os aljezurenses por preservarem orgulhosamente uma jóia que ao invés de produzir riqueza apenas acalenta desilusões e suscita frustrações. Afinal de contas, o que parece ser uma dádiva de Deus, transforma-se numa condenação, numa grilheta a que os aljezurenses vivem acorrentados sem poderem decidir eles próprios os caminhos mais convenientes para o seu próprio desenvolvimento.
Muito mais haveria para dizer, mas fico-me por aqui, não vão os supostos ecologistas, que prezam mais a vida dum escaravelho do que a dum ser humano, sair à estacada acusando-me de querer vender o paraíso a retalho. Para esse peditório já dei, e não volto a cair nas tretas do costume.
Deixo, porém, aqui um simples conselho. Neste período de férias aventure-se no prazer da descoberta. Encontre o seu paraíso perdido na vila presépio de Aljezur ou nas praias cristalinas da costa vicentina.
Existe um outro Algarve, mais verdadeiro e puro. Vá vê-lo, estabeleça comparações, faça as suas reflexões e pondere as suas críticas. Depois grite, esbraceje, proteste, enfim faça-se ouvir. É o que eu estou a fazer agora…

2 comentários:

  1. Até que enfim se dá algum valor à terra que me viu nascer...

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  2. Obrigado pelas suas palavras. Aljezur é, na minha opinião, a terra mais linda do Algarve, com uma pureza ambiental e uma beleza costeira sem paralelo no nosso país. Gostaria muito que aderisse a este blogue. Até sempre.

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