terça-feira, 18 de agosto de 2009

O primeiro jornal diário de Faro


José Carlos Vilhena Mesquita

Numa altura em que acabamos de assistir em Faro à fundação da edição Algarve do Diário do Sul, convirá, talvez, falar um pouco daquele que há mais de um século atrás apareceu pela primeira vez na capital algarvia com uma periodicidade diária regular e constante.
Fundado a 8 de Dezembro de 1880 para servir de arauto a um grupo de progressistas que se havia radicado na capital algarvia, teve O Progresso do Algarve, apesar da sua efémera existência, o mérito de ser o segundo diário a sul do Tejo, editado oito anos depois do célebre Diário do Algarve, fundado em Dezembro de 1872 na cidade de Lagos. Foi seu director o jornalista Luiz Sepulveda Pimentel Mascarenhas, natural de Portimão, figura marcante nos meios político-intelectuais de então, brilhante orador e dedicado pedagogo, que faleceu em Faro a 30-1-1920. À data do seu desaparecimento era ainda grande polemista e desde Abril de 1917 que dirigia o semanário farense O Algarve, que ajudara a fundar em 1908, e que por ainda hoje se publicar é justa e merecidamente considerado o decano da imprensa algarvia.
Publicava-se primeiramente como bissemanário às quartas e sábados e teve vários subtítulos, desde «Órgão da Política Progressista Algarvio», passando a «Folha afecta ao Partido Progressista» e terminando em «Órgão do Partido Progressista Algarvio». Estas constantes mudanças devem-se fundamentalmente às lutas intestinas dos progressistas algarvios que acabaram por se dividir em dois grupos: os “rabinos” e os “fajardos”. Aos primeiros pertenceram o Dr. Manuel Águedo Gomes de Miranda, natural de Moncorvo, Luiz Mascarenhas, de Portimão, o farmacêutico João Agostinho Ferreira Chaves e o Dr. António Frederico Gomes, ambos de Faro. Dos “fajardos” faziam parte o Dr. Manuel Joaquim d'Almeida, natural de Aveiro P.e Manuel José Gonçalves Osório, nascido em Bragança, e os irmãos Drs. Frederico e Francisco Lázaro Cortes, ambos de Faro.
Suponho que iniciou a sua publicação diária numa terça-feira a 18 de Abril de 1882 com o n.º 142 prolongando-se até ao n.º 225 de 18 de Julho desse ano, voltando à sua periodicidade normal de bissemanário desta feita às quintas e domingos. No total publicaram-se apenas 93 números diários, sendo hoje considerados ultra-raros, para além de com toda a certeza não existir, uma colecção completa deste jornal. Pessoalmente conheço apenas a colecção incompleta e bastante esparsa do Sr. José Manuel Bivar, muito possivelmente a única que subsiste deste título.
Entre os seus colaboradores mais assíduos merecem especial menção os nomes de Brotas Cardoso, desenhador de obras públicas, o veterinário Anes Baganha, o secretário-geral do governo civil Dr. Álvaro de Mendonça e o Dr. António Frederico Gomes, todos há muito desaparecidos. Possuía ainda nas suas fileiras três jornalistas remunerados: Silva Pontes, natural de Faro, José Bernardo de Aragão Teixeira, de Loulé, e o correspondente em Lisboa, António Eduardo de Macedo Ortigão, igualmente nascido em Faro, oficial do Real Arquivo da Torre do Tombo, 1.º conservador da Biblioteca Nacional, director da secretaria geral das Bibliotecas e Arquivos Nacionais, colaborador de vários diários lisboetas, redactor de O Século e do Diário de Notícias, onde trabalhou até ao seu falecimento ocorrido em 31-1-1931. De salientar que quando Macedo Ortigão vinha passar as suas férias à terra natal encarregava-se de escrever, quase na totalidade, O Progresso do Algarve, a ele se ficando a dever acesas polémicas com o seu adversário regenerador o Districto de Faro, dirigido pelo brilhante jornalista e agente consular António Bernardo da Cruz. Ambos os periódicos constituem ao presente das fontes mais importantes para o estudo da História Contemporânea do Algarve, havendo apenas a lamentar a falta das suas colecções completas. Vem a talhe de foice acrescentar que do Districto de Faro a mais completa colecção que se conhece comprei-a eu recentemente aos herdeiros do comendador Ferreira Neto.
Possuía tipografia própria adquirida ao Defesa do Povo, que se publicou em Silves de 15 de Setembro de 1878 até 8 de Dezembro de 1880, a qual já havia pertencido ao Correio do Meio Dia (fundado em 24-5-1874 e extinto a 13-1-1878) e ao Jornal dos Artistas (11-11-1875 a 20-7-1877), ambos periódicos de Portimão. Teve a Redacção e Administração sediada na Rua de S. Pedro n.º 5 e era propriedade do Centro Progressista de Faro, designação que manteve no cabeçalho até à já referida cisão do partido. Apresentava-se com um formato de 4 pp., no tamanho de 320x435 mm., sendo a sua mancha tipográfica de 285x410 mm, diminuindo na fase diária as suas proporções para 260x380 mm., com mancha de 230x325 mm. Tinha cinco colunas como bissemanário e quatro como diário, sempre impresso a preto e raramente ilustrado. O papel era fraco, a paginação corrida e a impressão era francamente medíocre. Os caracteres tipográficos apresentavam-se gastos e o título, impresso a negro, tinha a dimensão de 230x50 mm., inserindo na sua fase diária o subtítulo: «Folha diária do Partido Progressista». Custava avulso 30 réis e a assinatura trimestral era de 750 rs., passando na sua fase diária a 10 rs. Avulso, mantendo o preço anterior da assinatura. A publicidade “de interesse particular” pagava-se a 40 rs/linha e os anúncios vulgares a 20 rs/ /linha, cabendo aos assinantes um desconto de 25%, sendo por isso a última página integralmente preenchida pelos anunciantes do comércio e indústrias locais. A inventariação e sobrepesagem dessa publicidade no contexto socioeconómico da sociedade farense, constitui trabalho de muito interesse para o estudo das potencialidades da região nos finais do século passado. No rodapé da 1.ª página publicava-se sempre um folhetim, e de entre os muitos que ali se deram a público permita-se-me destacar «Uma Canção Romântica» de Pinheiro Chagas e «Os Piratas» de Frederico Marryat, por serem aqueles que mais aceitação tiveram entre os leitores farenses.
Manteve o Progresso do Algarve, como já se disse, demoradas campanhas e acesas polémicas contra o Districto de Faro, nomeadamente acerca da tisana Assis, que se dizia ser uma ligeira alteração do célebre “Chá Zithman”, especialmente indicado na cura da sífilis, facto que atraiu a Faro largos milhares de doentes, que enriqueceram os seus promotores e o comércio local. Nessa época custava cada tisana 3000 réis e o tratamento prolongava-se por cerca de um mês. Os doentes acorriam ao Algarve através de carreiras marítimas oriundas praticamente de todo o mundo ficando, por isso, a cidade de Faro conhecida pela “Meca dos sifilíticos”. O negócio remonta ao aparecimento no Algarve do Dr. Constantino Cúmano, italiano refugiado de perseguições políticas, que durante a sua estadia em Faro doara ao seu confidente e fiel amigo José Maria Assis o segredo de uma tisana que curava o flagelo da sífilis. Convém, já agora, lembrar que o Assis embora fosse barbeiro de profissão era um homem culto, de boa índole e a sua arte em nada se assemelhava à dos seus actuais colegas de profissão. No fundo ele era um misto de enfermeiro, veterinário, farmacêutico, dentista, etc... Portanto, o facto de ser “barbeiro” não queria dizer que se dedicasse propriamente a desfazer barbas e a cortar cabelo.
Quando o médico italiano regressou à sua pátria ficou o Assis na posse de um florescente negócio, que o tornou conhecido no país, nas colónias e até no Brasil, de onde vinham periodicamente centenas de sifilíticos, que enchiam os hotéis e pensões locais, para além da “Casa de Saúde” na Rua Infante D. Henrique, onde hoje se encontram os serviços da Caixa de Previdência.
Foi igualmente feroz a campanha encetada em 1885 contra Dr. António Centeno, na altura Governador Civil do Algarve e, mais tarde, presidente do conselho de administração das Companhias Reunidas Gás e Electricidade, a quem o jornal chamava o “Sem tino”. A dignidade daquele ilustre advogado e publicista, fundador do Correio Português, proprietário do Diário Popular e presidente da Associação Industrial Portuguesa, foi por várias vezes achincalhada de uma forma absolutamente injusta e escusada, até porque também ele militava nas fileiras do Partido Progressista.
Para terminar, resta-me salientar a importância deste efémero diário farense, o segundo que se publicou nesta província, para o estudo dos partidos monárquicos no Algarve e para a História da Imprensa Progressista em Portugal, sem falar já no seu primordial interesse para a realização de uma futura monografia da cidade de Faro.

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