sábado, 18 de janeiro de 2020

Um ciclópico falo algarvio glorificado por Guerra Junqueiro


O poeta Guerra Junqueiro, que fez parte dos «Vencidos da Vida» ao lado de Eça de Queirós e de Ramalho Ortigão, que foi um indomável republicano, revolucionário fervoroso, céptico e anticlerical, autor de várias obras primas da lírica contemporânea – escreveu nos tempos de jovem deputado por Macedo de Cavaleiros, um poema jocoso, a que chamou filho do álcool e da boémia. Arrependeu-se cedo de o ter feito, mas não a tempo de impedir que algum dos seus amigos, não sei se por brincadeira ou maldade, o publicasse num quarto de papel, de forma clandestina e não autorizada. O poema em si é bem-humorado, tem graça e suscita a gargalhada no mais sisudo leitor.
O poeta Guerra Junqueiro
Esse raríssimo folheto, editado em segredo, tinha por título «A Torre de Babel ou a Porra do Soriano», e segundo creio teve uma edição de apenas 40 exemplares. O poeta Guerra Junqueiro não achou que a divulgação favorecesse o seu bom nome, e por isso tratou de dar caça ao panfleto que certa mão negra dera à estampa. Ocupou-se nisso quase toda a vida, e parece que lhe deu eficaz extermínio. Todavia nunca se apercebeu da traição que um dos seus amigos lhe aprontou, ao reservar uma cópia para posteriores edições. O seu amigo Raúl Brandão relatou o episódio no 2º volume das suas Memórias: «Junqueiro escreveu algumas poesias eróticas, que um livreiro do Porto a ocultas coligiu e publicou tirando quarenta exemplares». E mais adiante acrescenta: «José Sampaio [Bruno] arranjou um para a Biblioteca Municipal do Porto. Junqueiro que passou a vida a comprar por todo o preço esses exemplares, deu o manuscrito da Pátria à Câmara do Porto em troca do exemplar da Biblioteca. E dizia: - Esses versos não são meus, são do álcool.»
Todavia, o conhecido escritor João Paulo Freire (Mário), publicou em «Curiosidades Bibliográficas» o seguinte acrescento: «Sampaio Bruno aceitou e mandou fechar a sete chaves uma cópia que mandara tirar do original que Junqueiro acabava de inutilizar. Desta edição tiraram-se apenas 60 exemplares».
Concluiu-se, portanto, que foram feitas novas edições, com datas apócrifas e, como facilmente se constata, com um título diferente: «Pedro Soriano». Porém, nunca lhes passou pela cabeça, nem do poeta nem do “Bruno da Biblioteca” que o jocoso poema chegasse ao Brasil, onde não foi depurado do conhecimento público. Julgo que em 1981 vi esse exemplar, que se dizia ser o único da edição prínceps, disputado em leilão por alguns dos mais insignes bibliófilos nortenhos, cujo arrematante deixou na mesa do pregão um cheque de sessenta contos.
Capa da edição apócrifa do Porto

Há alguns anos, vi uma edição considerada erradamente original, que se apresentava como impressa em Paris, e tinha a data de 2119. É claro que essa data fazia parte da laracha que envolvia a própria edição, apócrifa do Porto. Esse opúsculo, tipo in-fólio, já que tinha apenas 14 páginas, nas dimensões de 11,5x16,5 cm, estava impresso em papel linho, com uma capa cinzenta e o título, «Pedro Soriano», impresso a vermelho, com uma vinheta floral ao meio. Um olhar experiente e conhecedor vê logo que aquilo tinha saído de um prelo antigo e desgastado, à maneira imagem dos pasquins que os republicanos davam à estampa nas tipografias clandestinas.
Qual não foi o meu espanto quando vi, agora, há dias, num outro leilão, realizado em Lisboa, um folheto do célebre poema obsceno de Junqueiro, numa edição impressa na Typographia de José F. Ferreira, em Lisboa, datada de 1882!!! Dizia que era edição original e raríssima. Por isso foi arrematado por 110 euros.
Por conseguinte, existem no mínimo duas edições do poema licencioso de Junqueiro, ambas clandestinas e com o mesmo título, Pedro Soriano, presumivelmente editadas na década de oitenta do século dezanove, que escaparam ao conhecimento e à sanha exterminadora do poeta.
Apesar de Junqueiro tentar apagar aquela excrescência literária, de exaltação a outra excrescência, física, não logrou extirpar o furúnculo poético que é hoje mais procurado e raro do que a edição monumental de A Velhice do Padre Eterno, editado em 1885.
Na parte que me toca, interessa referir que na origem deste poema está um algarvio, de facto chamado Pedro Soriano, que no decorrer da sua vida aventurosa e atribulada cometeu alguns erros, mas também algumas virtudes, de que hoje já nem reza a história. Não vou falar desse pobre diabo, que para fugir à justiça e procurar uma nova oportunidade de vida teve de emigrar para a América, onde alcançou sucesso, foi feliz e morreu como um justo. Nas terras do tio Sam dedicou-se curiosamente às letras e granjeou prestígio como jornalista. Conheço dele dezenas de crónicas que publicou nos jornais portugueses, naquelas secções de correspondência do exterior, a que chamavam «Cartas da América». Não vou agora falar dele. Fica para a próxima.
Capa da edição comercial do poema
O que importa agora é dizer que o tal Pedro Soriano, tornou-se alvo da verve poética do Junqueiro porque, segundo lhe diziam os amigos, possuía um membro viril de tão grandes proporções que causava a cobiça aos mais galantes Casanovas da capital, que ao lado desse garanhão descomunal não passavam de níveos querubins de sacristia. Quando os amigos do Pedro Soriano, muitos deles algarvios, como o famoso Lorjó Tavares, todos com largo cadastro de pândegos, e réus encartados de flostrias e distúrbios da ordem pública – razão pela qual em Faro designavam o grupo por «Sociedade dos Terríveis» – o obrigaram a descer as calças e mostrar a ciclópica “tromba” ao poeta da «Musa em Férias», escancarou-se-lhe a boca de espanto, e acicatou-se-lhe o estro para borcar uns versos mais ordinários que os tafuis da Mouraria.
Na capa do famoso opúsculo, editado em 1882, narra-se o episódio nos seguintes termos:
«Pedro Soriano foi o heroi de um casamento simulado que houve em Lisboa. Tinha o membro viril desenvolvidíssimo. Uns amigos de Junqueiro, encarregaram-se de lhe apresentar o Soriano, porque tendo contado a Junqueiro a enormidade do membro, ele dissera que exageravam. Junqueiro viu e exclamou: “Tamanho membro merece um poema”.»
E escreveu-o, mas de tal maneira ordinário, indecoroso e obsceno, que anos mais tarde, após ter alcançado o êxito e a glória, com «A Velhice do Padre Eterno» (1885), com o «Finis Patriae» (1890), «Os Simples» (1892) e a «Pátria» (1915), lembrou-se já Ministro Plenipotenciário da República, que deixara no passado um rasto de indecência poética que urgia apagar da posteridade. Foi o que fez, quase até ao fim da vida. Mas quando pensava ter-se livrado desse escabroso apêndice poético, eis que os seus adversários políticos encontram no Brasil um exemplar, que reeditam, salvando da obscuridade uma composição poética que Guerra Junqueiro ditou de improviso, quiçá inspirado na verborreia bocagiana.
O poeta Abílio Manuel Guerra Junqueiro
Dizem alguns dos que privaram com Junqueiro, que ele já conhecia o femeeiro algarvio e que se divertira imenso com a tal diatribe do seu falso casamento. Acrescentam até que terá escrito este licencioso poema por causa do escandaloso conúbio. Na verdade, a imprensa da época falou muito no “caso de Torres Novas”, em que o Pedro Soriano encenou um sacrílego matrimónio com uma jovem inocente, de nome Maria Eugénia, que depois de com ele viver largo tempo, abandonou o lar e escapou-se para Lisboa. O estouvado Soriano, perdido de amor e de ciúmes, foi-lhe no encalce, e tentou resgatá-la de volta ao lar. Mas ela queixou-se às autoridades de ter sido não só enganada como “arrombada” pelo descomunal membro viril do seu falso marido.
Apesar da chacota e do escândalo, o Pedro Soriano foi preso e condenado em 1881, por ter simulado um casamento religioso com uma jovem inocente, com o objectivo de desfrutar as núpcias de forma ilícita. Note-se que os casos de duplo casamento não eram raros naquele tempo, se bem que constituíssem grave crime. Mas este foi muito pior, porque inventaram a cerimónia de casamento, para brincarem com a situação e desfeitearem a jovem, lançando-a à mercê do “Mastro do Leviathan”. Depois que a marosca foi descoberta e denunciada, o malandro do Pedro Soriano foi detido, fechado em grades e condenado a degredo. Fugiu mais tarde para os Estados Unidos da América, de onde não mais regressou à pátria.

* ... * ... * ... * ... *

 O poema licencioso, que na versão original saiu a pública sob o título «A Torre de Babel ou A Porra do Soriano», e para que os nossos leitores possam aquilatar, no seu vernáculo, o jaez pouco recomendado para época, deixamo-lo aqui transcrito na íntegra, pedindo desde já desculpa pelo excessos de linguagem que o mesmo contém. Pelo texto se verá que o poeta Guerra Junqueiro, mesmo que toldado pelo álcool, que como ele afirma, terá sido o principal obreiro desta versalhada, não deixa de evidenciar o seu talento, entre um humor, livre e desbragado, e um cepticismo religioso aferrado num incontido anticlericalismo. Nos seus versos ressumam palavras de excessiva licenciosidade, sem as quais, é certo, o poema perderia toda a graça e bom humor. Nota-se um estilo bocagiano difícil de esconder ao leitor. Para melhor leitura adaptei as palavras à ortografia actual. Ouçamos então o dito poema, dedicado ao algarvio Pedro Sebastião de Almeida Soriano, natural de Albufeira, que segundo diziam os amigos, estava equipado com um apêndice sexual de inusitadas proporções, causadoras da maior inveja aos que com ele acamaradavam. 

Eu canto do Soriano o singular mangalho!
Empresa colossal ! Ciclópico trabalho !
     Para o cantar inteiro e o cantar bem
precisava viver como Matusalém.
     Dez séculos !
                         Enfim, nesta pobreza métrica
cantemos essa porra, porra quilométrica,
donde pendem os colhões de que dão ideia vaga
as nádegas brutais do Arcebispo de Braga.


Sim, cantemos a porra, o caralho iracundo
que, antes de nervo cru, já foi eixo do Mundo !
     Mastro do Leviathan ! Eminência revel !
     Estando murcho foi a Torre de Babel !
     Caralho singular ! É contemplá-lo
                                                    É vê-lo
teso ! Atravessaria o quê ?
                                      O Sete-Estrelo !!
Em Tebas, em Paris, em Lagos, em Gomorra
juro que ninguém viu tão formidável porra !
     É uma porra, arquiporra !
                                                    É um caralhão atroz
que se lhe podem dar trinta ou quarenta nós
e, ainda assim, fica o caralho preciso
para foder, da Terra, Eva no Paraíso !!
     É uma porra infinita, é um caralho insonte
que nas roscas outrora estrangulou Le Comte.


Oh caralho imortal ! Glória destes lusos !
Tu poderias suprir todos os parafusos
que espremem com vigor os cachos do Alto Douro !
Onde há um abismo, onde há um sorvedouro
que assim possa conter esta porra do diabo ??!
     Marquês de Valadas em vão mostra o rabo,
em vão mostra o fundo o pavoroso Oceano !
     - Nada, nada contém a porra do Soriano !!


Quando morrer, Senhor, que extraordinária cova,
que bainha, meu Deus, para esta porra nova,
esta porra infeliz, esta porra precita,
judia errante atrás duma crica infinita ??
     - Uma fenda do globo, um sorvedouro ignoto
que lhe há-de abrir talvez um dia um terramoto
para que desagúe, esta porra medonha,
em grossos borbotões de clerical langonha !!!


A porra do Soriano é um infinito assunto !
Se ela está em Lisboa ou em Coimbra, pergunto ?
     Onde é que começa ?
                                    Onde é que termina
essa porra, que estando em Braga, está na China,
porra que corre mais que o próprio pensamento,
porque é porra de pardal e porra de jumento ??
     Porra !
               Mil vezes porra !
                                       Porra de bruto
que é capaz de foder o Cosmos num minuto !!!

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