quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A sublime expressão do amor no doloroso sofrimento da saudade


José Carlos Vilhena Mesquita

A poesia é o paraíso da inteligência e das ideias, é a suprema elevação do pensamento, um alfobre de concepções quiméricas e de altruística entrega aos valores humanísticos do amor e da amizade. A poesia é também uma seara de emoções e de sentimentos, de cujo pão se alimentam sonhos de liberdade e de solidariedade, que se consubstanciam no afecto e na lealdade, no desvelo e na paixão. A poesia é um ascético templo de reflexão e desinteressada meditação sobre o fogo do amor, a luz do pensamento, a chama da vida e o imperscrutável mistério da morte. O poeta é um singular actor, um privilegiado observador e um genial pintor, que no tablado da vida escreve com a pena molhada em lágrimas poemas de amor e de sofrimento, passando indelevelmente para o etéreo, mas deixando atrás de si um rasto de ideias e de emoções, de que outros comungarão como uma terapia de vida ou um lugar de resistência.
A poesia de Telmoro – pseudónimo de Telmo Bernardes da Silva – é um oráculo erguido ao amor, à liberdade e ao livre-arbítrio, à beleza das coisas simples da vida, à amizade, ao amor e à paixão. O cândido lirismo de Telmoro, orvalhado e puro, rompe, despedaça e perfura a urdidura subtil dos enganos e dos prazeres fáceis. Os seus versos elevam-se acima da futilidade das rotinas, com a pujança e a expressiva naturalidade das alianças que se estabelecem entre a forma e a essência, entre o significado e o significante.
Enquanto, nos séculos precedentes, a poesia era o orgulho das nações civilizadas, o enlevo das elites dirigentes e o alimento espiritual do povo, de cujo sangue descenderam muitos dos vates que melhor ilustram as galerias da cultura europeia – hoje, todos sabemos que a poesia e as artes espirituais que transluzem a alma duma nação, valem muito pouco porque muito pouco valem também os povos letrados que ergueram a bandeira do espírito acima do tenebroso pendão do materialismo financeiro.
O imperialismo espiritual que modelou a alma das nações orientais e fez da poesia uma forma de orar a Deus, acha-se hoje ultrapassado, atrasado e empobrecido, exaurido nas suas milenares riquezas, outrora erguidas sobre os valores da espiritualidade humana. O altar das nações ergue-se sob a alta finança, sem rosto nem pátria, que tudo submete e destrói em nome do lucro, transformando os supremos sentimentos da fraternidade e da solidariedade em abjectos egoísmos e velados interesses de domínio, de submissão e de neo-servilismo. O que vemos hoje no templo da humanidade não é a glorificação de um Deus misericordioso, tolerante e compreensivo – o que vemos hoje elevado ao culto das nações desenvolvidas é a veneração da riqueza, do egocentrismo, da arrogância, do desprezo pela filantropia e pelos desafortunados, em suma… assistimos à sacralização do materialismo, à entronização da mediocridade, à glorificação do egoísmo, à exaltação da barbárie terrorista e à desculturalização dos povos espiritualizados.
Impávidos e serenos, vemos transformar-se a cultura numa indústria da mediatização e do populismo barato, num bacoquismo vivencial para gente iletrada, ou, pior ainda, para gente que se pretende amorrinhar, desinstruir e submeter a uma mediania amesquinhante, de forma a açaimar o pensamento e a desvitalizar a ilustração. Os povos de seculares culturas e modelares tradições, como os europeus, que enraizaram a civilização ocidental como modelo de progresso e de humanização, têm vindo a deixar-se cair numa americanização assoberbante e numa rasoirante globalização, submetendo-se ao imperialismo económico e à supremacia dos países industrializados.
O resultado previsível da globalização e do imperialismo financeiro será a generalização dos métodos educativos, a equalização dos graus académicos, o facilitismo da instrução, o rebaixamento da erudição e o nivelamento intelectual, inferiorizando as proeminências propulsoras das ideias humanistas, do criticismo filosófico, das artes criativas, da música erudita e da poesia lírica. O nível cultural vai inexoravelmente decrescendo pelas exigências duma mediocridade impante e dominadora, que despreza o génio poético, como quem abomina os valores da vida e condena os princípios mais elementares do humanismo, execrando os sentimentos e as emoções.
Nos dias que correm apenas interessa desenvolver as ciências experimentais em detrimento da cultura humanística, amesquinhando as Letras sob o princípio economicista da sua improdutividade.
Vivemos hoje envergonhados sob o estigma duma escolarização dita incipiente, supostamente infrutífera, por não instilar nos jovens o abstraccionismo do número e da quantificação. O nosso atraso – dizem os governantes – não resulta apenas duma deficiente equipagem tecnológica do sector industrial, mas tão só da nossa incapacidade para as ciências matemáticas, para a mecanização do pensamento em associações quantitativas, formalizando conjuntos e acções numéricas, visualizando formas e modelos. Os nossos tecnocratas preconizam insistentemente uma moderna fórmula de imbecilidade, que se consubstancia nesta peregrina afirmação: a matemática é a vida, e a vida é matemática. Pela frente e pelo verso, a frase tem muito para discutir, sendo que em todos os ângulos que a perspectivemos resulta sempre numa inverdade. A vida não é um número nem uma numeração, nem tão pouco a matemática vive do número, e muito menos da matematização. A vida, tal como a matemática, é pensamento, imaginação e criatividade. A vida é, em suma, uma herança e uma sucessão. A matemática é uma convenção, que, elevada à escala universal, pretende abarcar o todo e o nada. É uma concepção e uma idealização do abstracto, uma materialização do pensamento em formalizações imateriais, uma imponderabilidade do efectivo e uma inconsistência da verosimilhança.
A vida, e o que verdadeiramente interessa à vida, não consiste no progresso tecnológico ou na erudição científica, nem unicamente no crescimento do Produto Interno Bruto. A vida é sentimento e paixão, é emoção e contrariedade, é prazer e felicidade, é sacrifício e sofrimento, é amor e aversão, é a fortuna e a desventura, a verdade e a mentira.
A vida é também a morte, coabitando o mesmo espaço, mas trilhando caminhos tão diferentes e tão distantes, que se chega a pensar nunca serem capazes de se cruzar. Entre o nascimento e a morte espraia-se toda uma existência, a que só a poesia sabe dar alento e coragem, para glorificar a paixão, a felicidade e a saudade.
Tudo isto se pode ver e ler neste livro de Telmoro. As contradições da ciência, a sua frieza e inexpressividade, contra a sublimidade das letras e a excelência da palavra, cuja beleza e ordenamento conceptual, articulada numa silábica sucessão rítmica, fazem do poema e do pensamento lírico, uma construção artística absolutamente insuperável. Os versos de Telmoro não preconizam doutrinas, nem difundem ideologias; não se inspiram nem se modelam nos figurinos das novas escolas poéticas, tão pouco enfileiram nos movimentos expressionistas ou pós-modernos da “nouvelle vague” em que se integram as recentes gerações de poetas. A sua poesia é independente, mas não se divorcia dos cânones que moldaram os nossos maiores vates. A sua arte poética faz do soneto uma sinfonia de palavras, uma escultura de voluptuosos sentimentos e uma tela de afectuosas impressões. O soneto é a arte maior do poeta, apenas ao alcance daqueles que fazem da poesia um atelier de arte e um laboratório de filosofia.
Nestes Idílios da Madrugada resplandecem clarões de ideias, arquitectadas em sublimes pensamentos, talvez sugestionados pela recente perda da sua amantíssima esposa. Diz-se que o poeta é mais sincero e mais excelso quando sente a alma trucidada pela dor. Mas é sobretudo a luz da paixão, que se difunde na refracção do seu amor por Eduarda Maria, que nos deixa enternecidos, condoídos, feridos até aos recônditos da alma, vendo a ténue candeia da vida penetrar na última prega da neblina que cobre agora a sua pedra tumular.
Choram os seus versos pesadas lágrimas de amor, derramadas sobre o esquife ainda morno da vida que tão prematuramente partira. Debaixo do trauma da morte, com a alma esmagada pelo peso da derradeira tumba, escreveu o poeta os presente sonetos plasmados na lancinante dor de quem sofre sem poder esconder o agudo pranto da sua amargura. Em dolorosos versos, plenos de sentimento e de paixão, exarou um amargurado testemunho de amor eterno, num sagrado juramento de imperecível saudade.

(Prefácio ao livro, Idílios da Madrugada, de Telmoro)

3 comentários:

  1. Senhor Adm. deste espaço, Prof JCVM

    Boa noite,

    Os textos, esses textos, os seus textos são um desafio à minha capacidade intelectual. È verdade que o senhor agarra-me pelos colarinhos e leva-me atrás da sua escrita. Que ritmo meu caro amigo ...

    Todavia, consigo chegar ao fim mais enriquecido e mais esclarecido. O texto de hoje, aliás, como quase todos, roça a máxima erudição.

    Ocorre-me: será que os menos preparados se sentem felizes ao ler este texto. Eu fiquei.

    Mas escolhi este caminho para dizer o seguinte: a poesia, em meu entendimento, é compreensão e encantamento.

    A poesia de Herbert Helder, Ramos Rosa e outros eruditos, está situada no chamado patamar da poesia moderna, onde a palavra está primeiro que a mensagem.

    Às vezes é pouco entendível.

    A poesia de Telmouro, creio ser assim o nome do autor, parece-me exigente mas espero que encante

    No meu ponto de vista João de Deus foi um bom poeta. Popular? Sim ... mas encantou.

    Permita-me este soneto

    A POESIA

    É elegante e boa companhia
    Que tem hora marcada comigo
    Naqueles dias de tarde fria
    Em que olho a rua no postigo ...

    E falamos de tudo, cordialmente
    É ela que me ensina e esclarece
    O porquê da vida ser exigente
    E não ser tão bela como parece

    Por fim abraçamo-nos com o olhar
    Demos ao outro o que havia a dar
    E às tantas, a tarde terminou

    E nesses momentos de grande magia
    Com palavras se fez a poesia
    Que o poeta diz que sempre amou



    Falta a revisão.
    Aceite um abraço do
    JOÃO BRITO SOUSA

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  2. Prezado Dr. Brito Sousa
    Mais uma vez lhe agradeço a bondade das suas palavras, sendo que os elogios nelas entretecidos se desculpam pela amizade que nos liga. Os amigos, verdadeiros e certos, tendem sempre a exagerar no alcance da sua generosidade.
    Obrigado, pois, por mais este gesto de simpatia.
    Quanto ao ritmo acelerado do texto, isso prende-se com o facto de se tratar de um Prefácio ao livro Os Idílio da Madrugada, um belíssimo livro de poesia, da autoria de Telmoro (pseudónimo de Telmo Bernardes da Silva), recentemente desaparecido do nosso convívio.
    Se as pessoas me acompanham ou não no raciocínio expendido neste texto, é um assunto difícil de responder, embora o feedback que tive (neste como noutros prefácios e introduções a obras literárias) tem sido muito positivos e bastante encorajadores. Às vezes empolgo-me um pouco mais quando comparo a poesia cristalina dos poetas não consagrados com a poesia opaca e pretensiosa dos ditos eruditos, que tanto rebuscam no efeito significante das palavras que chegam a roçar nos céus etéreos do abstracizante.
    Essa poesia, que mais parece prosa às escadinhas, diz-me pouco a mim como a toda a gente, só que a imbecilidade imperante incensiza essa gente para dar a entender que só os mais inteligentes e os mais eruditos é que os conseguem interpretar. Foi uma espécie de corte epistemológico dos cretinos para desprezar a chamada poesia popular.
    Quando o Herberto ou o Ramos Rosa forem capazes de fazer sonetos, ou até mesmo quadras, que todos possam entender, então estaremos perante a verdadeira poesia, sem distinções de classes. Sim, porque essa gente da chamada poesia erudita e consagrada são todos da esquerda socialista, marxista-leninista, supostamente desafectos às distinções de classes. Mas o que na verdade eles fazem é a mais pura distinção de classes, querendo mesmo colocar-se num patamar de elitismo ostracizante, contra os chamados poetas do povo, que sem escola, sem padrinhos políticos nem erudição, nunca saem do anonimato em que vivem. Os poetas consagrados deveriam apoiar e ajudar a promover os poetas menores, mas ao contrário disso são eles que os afundam ainda mais, quando escrevem nos jornais palavras de desabono e de desafecto à chamada poesia popular.
    Pior ainda é quando esses poetas privilegiados designam os outros por poetas de província, numa clara alusão ao centralismo ditatorial em que vivemos. Esquecem é que eles são fruto dos privilégios resultantes da protecção do PC, e sobretudo dos amigos que lhes fazem os mais rasgados elogios nas críticas literárias que publicam nos órgãos de comunicação da capital.
    Enfim, amigo, estaríamos aqui muito tempo a dizer verdades que ninguém quer ouvir. Além disso, quem disser que a poesia do Ramos Rosa não presta é logo condenado à fogueira inquisitorial dos alisbonados, dos privilegiados da cultura centralista em que vivemos.
    Quanto ao seu soneto, posso dizer-lhe que gostei imenso de ler, tem ritmo e musicalidade, além de uma mensagem inteligível e profunda. Só não gostei do último verso da primeira quadra. Mas mexer-lhe vai abalar toda a estrutura inicial da abertura do soneto. Sabe que um soneto vale sobretudo pela forma como abre e principalmente como encerra.
    Enfim, desculpe a sinceridade.
    Um abraço do Vilhena Mesquita

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  3. Boa Noite, sou bisneta do Dr Mario Lyster Franco, e fiquei muito contente por saber das coisas dele através do seu livro. Obrigada e Felicidades

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