sábado, 14 de janeiro de 2023

António Augusto Santos, jornalista, poeta, dramaturgo e... sportinguista

Funcionário dos Caminhos-de-ferro e jornalista, nasceu na vila do Barreiro, a 2-4-1906, e faleceu em Faro, a 2-3-1987, com 81 anos de idade.
Estudou na sua terra-natal, não indo além da instrução primária, embora quem o conheceu, como foi o meu caso, sabe que era um homem bastante culto e muito inteligente, que escrevia primorosamente. Além dessas qualidades intelectuais, era também uma pessoa muito generosa, de bom coração, muito humilde e desprovida de quaisquer vaidades.
Como jornalista distinguiu-se ainda jovem ao fundar e dirigir o «Jornal do Barreiro», um órgão de largas e respeitáveis tradições, em cujas colunas colaboraram distintas figuras da intelectualidade nacional, nomeadamente Aquilino Ribeiro, Alves Redol, Fernando Namora, Arlindo Vicente, Manuel Cabanas, etc. 
No seguimento do seu múnus profissional desempenhou também as funções de chefe de redacção de «O Ferroviário» órgão sindical daquele notável grupo laboral, com larga expansão e cobertura nacional. 
Por razões de ordem profissional, veio residir para Faro na década de quarenta. E aqui se manteve até ao fim da vida, isto é, durante mais de quatro décadas. Nessa altura, viviam-se os difíceis anos da II Guerra Mundial, e o Augusto Santos começou logo a dar nas vistas, não pelas suas indisfarçáveis qualidades intelectuais, como também pela sua generosidade ao ajudar os seus camaradas mais desafortunados, alguns deles perseguidos por razões políticas, a sobreviverem perante a carestia de vida. As suas preocupações sociais fizeram atrair sobre si a sanha da desconfiança e a passar também um mau bocado. 
Pouco depois de fixar residência, começou a colaborar em quase toda a imprensa algarvia, escrevendo também para os jornais diários e assumindo durante mais de trinta anos a incumbência de ser correspondente em Faro do «Jornal de Notícias» do Porto, de «A Bola», do «Norte Desportivo» e de outros órgãos desportivos. Aliás, o António Augusto Santos ficou conhecido no Algarve como um dos mais experientes e conceituados jornalistas desportivos da região, sendo inclusivamente o seu nome referenciado como uma autoridade nacional, sobretudo na exegese futebolística. Por isso é que o governo o agraciou, julgo que em 1986, com a «Medalha de Mérito Desportivo», exemplo esse que serviu de mote às Câmaras Municipais de Faro e do Barreiro. 
Dirigiu e editou várias publicações comemorativas, nomeadamente o «Anuário Comercial e Industrial de Faro», que teve várias edições, assim como a «Agenda Comercial e Industrial de Faro» (1968), etc. 
Para além de jornalista, foi também um inspirado poeta e um dramaturgo de grande qualidade artística, que passou ao lado de uma notável carreira nas pátrias letras, pois que possuía qualidades para singrar e tornar-se justamente famoso, mercê da grande qualidade evidenciada pela sua obra. 
Dispersou a sua prestimosa colaboração por diversos órgãos da imprensa algarvia, nomeadamente por «O Algarve» de Faro, «Correio do Sul», «Folha do Domingo», «Correio Olhanense», «Povo Algarvio», «Comércio de Portimão», «O Sporting Olhanense», «O Sporting Farense», etc. No semanário farense «O Algarve» publicou, em Março de 1976, um “Pequeno Dicionário Humorístico do Futebol Português” que ainda se lê com proveito de boa disposição. Este órgão farense promoveu-lhe na década de oitenta uma homenagem pública, realizada no salão nobre da Assembleia Distrital de Faro, a qual foi presidida pelo seu amigo, conterrâneo e notável jornalista Manuel Figueira, então a desempenhar as funções de Director-Geral da Comunicação Social, cerimónia a que tive a honra de assistir. Nessa altura, António Augusto Santos foi considerado o decano dos jornalistas da imprensa regional algarvia.
Como escritor julgo que apenas deu à estampa uma pequena peça de teatro, na qual retrata a paixão futebolística sentida por um adepto sportinguista, face ao derby lisboeta disputado numa final da Taça de Portugal, intitulada «Benfica-Sporting – Farsa em um Acto», Faro, Tipografia União, 1958. 
Acresce dizer que António Augusto Santos foi membro fundador da AIRA - Associação da Imprensa Regionalista Algarvia, a cujos corpos sociais julgo que chegou a pertencer, ao lado de Antero Nobre, Joaquim Magalhães, Herculano Valente, Ofir Chagas, João Leal, Reis d’Andrade, e outros. 
Era casado com D. Maria José Santos e foi pai de quatro rapazes, todos cidadãos de primeira grandeza, alguns dos quais se distinguiram, tal como o pai, na imprensa e nas letras em geral. O seu filho mais novo, Dr. Luís Filipe Rosa Santos. notabilizou-se como professor e investigador da história local, além de ser também considerado com um artista plástico de enorme talento. 
Para terminar gostaria de deixar aqui estampado um dos seus muitos e belos poemas, que nunca chegaram a ser compilados em livro, tal como aconteceu com as suas peças de teatro que receio venham a cair num irremediável esquecimento. Este poema tem a particularidade de ser inspirado e dedicado aos seus dois filhos mais novos, sendo por isso intitulado “Dois Irmãos”: 

Eu tenho sobre a estante uma miniatura
Do Mundo – pequenina esfera colorida –
Talvez porque vê nele um mundo de ventura,
Meu filho a veio pedir com voz enternecida

Não porque as suas mãos, pequenas como são,
Pretendam sufocar o «mundo» pequenino,
Mas porque tem do globo uma abstracta noção
E o vê simples brinquedo, afeito a um menino.

Dei-lho. E quando o irmão, sem ter com que brincar,
Surgindo o viu do «Mundo» um senhor poderoso,
Sentou-se junto dele adoçando o olhar
Nesse império-brinquedo, humilde e pesaroso.

Estranhando o pesar do seu melhor amigo,
O mais novinho, então, num terno olhar jucundo,
Disse: - Aqui tens, para brincar comigo!
E estendeu-lhe a mão com metade do «Mundo».

Ao seu gesto inocente achei tanta bondade,
Que pensei noutra esfera, a fim de o premiar;
Merecia até mais tal generosidade
Digno de bons irmãos. Mas, fiquei-me a pensar:

Forçoso é desistir. Se há muito lhes mostrei
Que o «Mundo» se reparte, assalta-me um receio.
Que dor, que mágoa atroz sentiria nem sei,
Se um deles, amanhã quisesse mundo e meio...

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