quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Frederico Ramirez, pioneiro da indústria conserveira no Algarve

Frederico Ramirez, em jovem
Quando se fala de conservas de peixe, especialmente de atum e sardinha, vem-nos logo à memória o nome Ramirez, uma marca que ao longo dos anos conquistou um lugar de prestígio no mercado da indústria alimentar. Na vila pombalina da foz do Guadiana ainda existe uma fábrica de transformação do pescado, pertencente ao grupo Ramirez, a par de outras que a mesma empresa mantém em laboração no norte do país. Nas últimas décadas do século XIX, contavam-se dezenas de fábricas conserveiras em laboração no Algarve, sendo a marca Ramirez foi uma das pioneiras, que teve por sede a próspera Vila Real de Santo António, fundada pelo Marquês de Pombal em 1774 para sede das pescarias do Reino do Algarve.
A figura histórica de Frederico Ramirez, está hoje muito injustamente esquecida, e não merece ser apagada da da memória das gerações vindouras, porque devemos à sua inteligência e espírito empreendedor a fundação da primeira fábrica de conservação da pesca da sardinha e do atum, mercê da qual podemos designar como o início da revolução industrial no Algarve.
Esbocemos a traço largo uma síntese biográfica deste notável industrial algarvio.
Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, de seu nome completo, foi uma figura proeminente da política nacional e regional, um talentoso engenheiro civil e um criativo industrial, que nasceu em Vila Real de St.º António a 26-11-1869 e faleceu naquele burgo pombalino a 30-10-1935, aos 66 anos de idade, quando muitos projectos havia ainda para concretizar na sua actividade empresarial. 
Iate D. Amélia, no qual viajou Frederico Ramirez com o
Rei D. Carlos nas suas visitas ao Algarve
Estudou na antiga Escola do Exército onde obteve o curso de engenharia civil e no ano seguinte, com apenas 22 anos de idade, foi eleito deputado pelo círculo do Guadiana, sendo reeleito para todas as legislaturas seguintes até 1908, data em que decidiu abandonar a política em sinal de luto pelo assassinato do seu rei e dilecto amigo D. Carlos I. 
Filiado no Partido Progressista chefiou durante largos anos os interesses dos seus correlegionários no Algarve, que representou com sacrifício dos seus interesses pessoais na capital, durante a vigência dos seus mandatos como deputado à Assembleia. Durante a sua permanência no hemiciclo exerceu durante largos anos as trabalhosas e complicadas funções de relator da Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados. Em algumas das legislaturas desempenhou também o cargo de primeiro secretário daquela nobre assembleia. 
A determinada altura foi Governador Civil de Faro, num momento assaz delicado pelas circunstâncias políticas, mas desempenhou aquelas funções a contento dos interesses nacionais. 
Exposição internacional de produtos Cocagne, marca
que a Ramirez exportou para a Bélgica desde 1906
Como homem culto, educado nos preceitos da nobreza, sobretudo muito instruído e de saber actualizado na leitura dos mais modernos cientistas do seu tempo, depressa se tornou notado e apreciado pelos seus pares, neles se incluindo o próprio monarca. A sua amizade com o rei D. Carlos merece uma referência especial, já que era sincera, leal e recíproca, ao ponto do Conselheiro Frederico Ramirez ter sido um dos poucos escolhidos para acompanhar o monarca em muitas das suas viagens oceanográficas, a bordo do famoso iate D. Amélia. Aliás, quando o monarca se deslocava ao Algarve, nas suas acostumadas viagens de estudo, era certo e sabido que vinha a bordo o conselheiro Ramirez, pois que também era um profundo conhecedor destas águas e sobretudo dos seus ricos bancos pesqueiros. 
A partir do regicídio retirou-se da vida política, mas não da vida activa. Mesmo depois da implantação da República nunca virou a cara à luta pelos interesses nacionais, dispondo-se a servir a pátria quando disso se tornasse indispensável. Assim aconteceu em 1915, aceitando integrar a comissão portuguesa que foi a Madrid discutir o candente problema das águas jurisdicionais, de primordial importância para a salvaguarda os interesses industriais das pescarias no Algarve. 
Lata de atum Ramirez
Também aceitou pertencer, durante largos anos, aos corpos directivos da Associação Industrial Portuguesa, no seio da qual, entre 1890 e 1930, defendeu, desenvolveu e incentivou as iniciativas privadas direccionadas para o desenvolvimento económico do Algarve. Da sua profícua actividade à frente daquela instituição, resultaria a honra de ser agraciado com a Carta de Conselho, assim como mais tarde a sua nomeação para delegado do governo nos corpos gerentes da Companhia dos Caminhos-de-ferro de Quelimane ao Ruo. 
Os seus largos proventos económicos advinham-lhe das circunstâncias de ser considerado um dos maiores industriais conserveiros do Algarve, cujas unidades fabris, sediadas em Vila Real de St.º António davam emprego a centenas de operários. 
Também se dedicou à agricultura, com grande carinho e desvelo, a ponto de dirigir pessoalmente certas sementeiras experimentais nas suas vastas propriedades situadas em Cacela e em Castro Marim, cujos meios técnicos empregues no amanho das terras foram considerados paradigmática para o desenvolvimento do sector na região. 
Conselheiro Frederico Ramirez
Colaborou no semanário «Guadiana», fundado em 1903 como órgão do Partido Progressista na vila pombalina. Também passou pelas colunas de «A Voz do Guadiana», semanário igualmente de índole progressista, que em 1899 publicou-lhe os discursos proferidos na Assembleia, como deputado por Tavira, através dos quais defendeu acerrimamente os interesses da pesca do atum no Algarve. 
Era, à data do seu passamento, já viúvo de D. Maria Garcia Ramirez, de quem teve os seguintes filhos: eng.º Sebastião Ramirez, ministro do Comércio e Indústria do primeiro governo de Salazar; D. Maria Emília Ramirez de Sanches, Mário Garcia Ramirez e D. Maria das Dores Ramirez de Vasques Garcia. Importa acrescentar que era irmão de Manuel Garcia Ramirez, reputado industrial conserveiro na foz do Guadiana. 
Ao seu funeral, iniciado em Lisboa e concluído no dia seguinte em Vila Real de St.º António, compareceram as principais entidades do país, vários ministros, um representante do presidente da República e até o próprio Doutor Oliveira Salazar, que acompanhou na dor o filho, seu ministro e particular amigo, Sebastião Ramirez.

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