quinta-feira, 31 de outubro de 2019

O ignorado e desaproveitado «HINO de SAGRES»


Em 1957, a «Casa do Algarve» promoveu um concurso de música para a criação do «Hino de Sagres», sob o alto patrocínio do empresário algarvio Libânio Correia. Com este certame pretendia-se apoiar a criação artística e incentivar o regionalismo. Além disso, vinha na esteira das pré-comemorações do V Centenário da morte do Infante D.Henrique, que se realizariam em 1960, tendo no Algarve, sobretudo no Cabo de Sagres, um dos principais palcos para a concretização daquela histórica efeméride.Nessa altura, este conceito – Regionalismo - envolvia uma forte carga nacionalista, que se traduzia no exacerbamento da paixão patriótica, através da fusão no espaço nacional das regiões do interior. O que se pretendia, neste caso, era identificar e valorizar as características etnográficas das nossas aldeias, vilas e concelhos, cujas tradições e património histórico, ressumavam o que melhor distinguia e identificava a, então designada, portugalidade.
Repare-se que o conceito de Regionalismo não se decalca na Regionalização, por ter este um sentido mais abrangente, que se prende com a afinidade geográfica e identidade cultural de determinados espaços, inseridos da unidade nacional. Mas a principal diferença entre os dois conceitos reside na proposta de administração autónoma das regiões, o que seria impensável durante o consulado salazarista.
Voltando à questão inicial. A Casa do Algarve de entre os vários trabalhos a concurso, escolheu como vencedor do «Hino de Sagres», uma belíssima peça musical, de inspiração patriótica e de glorificação dos valores históricos que enformavam o nacionalismo, tendo como figura central o Infante D. Henrique, alma mater da epopeia dos Descobrimentos.
Este interessantíssimo «Hino de Sagres», hoje esquecido, foi escrito por Mateus Moreno (1892-1970), uma grande figura da cultura algarvia, um notabilíssimo escritor, fundador da revista «Alma Nova», e militar de prestígio que combateu na I Guerra Mundial. A vida do major Mateus Moreno dava um romance, pela forma multifacetada como desenvolveu a sua acção cívica, no país e nas colónias, com algum aventureirismo à mistura, como aliás é peculiar nos portugueses, que só precisam de um cantinho para nascer, mas têm o mundo inteiro para viver.
Mateus Moreno
A composição musical do «Hino de Sagres» é da autoria da lisboeta Elvira de Freitas (1928 – 2015), notabilíssima pianista e diretora de orquestra, que para ganhar a vida optou pela docência no liceu Camões, onde desenvolveu uma profícua actividade melómana, de que muitos dos seus antigos alunos ainda hoje se recordam com saudade. É curioso que este prémio da «Casa do Algarve», patrocinado por Libânio Correia – outro algarvio esquecido –, possibilitou à pianista Elvira de Freitas entrar na carreia docente em 1957, e tornar-se numa das maiores figuras do Conservatório Nacional e, mais tarde, do Instituto Gregoriano de Lisboa.
Elvira de Freitas
Não vou aqui tecer qualquer apreciação crítica em relação aos versos de Mateus Moreno, e muito menos à música de Elvira de Freitas. O que me apetece enaltecer é o facto de naquela época se terem reunido, para compor o «Hino de Sagres», duas grandes figuras da cultura nacional, lamentando em contramão que essa peça não seja hoje conhecida, e quiçá reaproveitada para fins culturais, nomeadamente turísticos ou etnográficos.Aqui ficam as imagens da letra e da música do «Hino de Sagres», que talvez, bem aproveitado do ponto de vista turístico-cultural, ainda possa servir os interesses do município de Vila do Bispo, onde a figura do Infante D. Henrique se vislumbra e se sente ainda a rondar aquela agreste penedia do Promontório de Sagres.



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