José Carlos Vilhena Mesquita
Desenraizado das tradições histórico-etnográficas, o Algarve bem se pode queixar do seu turismo estereotipado, que paulatinamente lhe foi esbatendo a riqueza do seu folclore e a fé das suas seculares manifestações religiosas. Deste modo se foram perdendo muitas procissões e romarias, algumas até de carácter profano, que hoje não só lhe dariam uma certa homogeneidade cultural, como ainda por certo constituiriam um forte atractivo turístico na região. E não se pense que o fraco espírito religioso dos Algarvios é hoje o mesmo dos seus antepassados, pois que o contrario se atesta pelas largas dezenas de templos que cobrem a orla litoral. Aliás, outra coisa não seria de esperar numa região totalmente virada para o mar, histórica e economicamente dependente das fainas marítimas, que desde sempre foram temerariamente exercidas por frágeis embarcações a remos ou à vela, de entre as quais se destaca o tradicional e famoso caíque de Olhão, que após a revolta contra os Franceses atravessou em 1808 o Atlântico e para dar tão heróica boa-nova à Família Real, então refugiada no Brasil.
As próprias armações do atum, que nesta província tornaram universalmente conhecidas e apreciadas as nossas conservas (já hoje inexistentes devido ao afastamento dos tunídeos da costa algarvia), foram em tempos alvo de manifestações religiosas interessantíssimas, às quais quase sempre não era estranha a presença do Bispo da diocese. Certas cidades como Tavira, Faro, Portimão e Lagos tiveram em tempos várias procissões anuais que atraíam às sedes dos concelhos muitos milhares de fiéis, algumas das quais espontaneamente organizavam feiras, tudo contribuindo em larga escala para o engrandecimento do comércio local. Mas o progresso foi delapidando as tradições e a religiosidade do povo (materializado por outros ideais talvez menos consentâneos à nossa gente), encerrando-se as igrejas, votando-as ao abandono e à ruína, ao mesmo tempo que as manifestações de âmbito nacional perdiam igualmente o seu carácter conglomerante de outrora.
Do jejum ao baile no terreno das igrejas
Nesta ordem de ideias se encontra a festa principal da Igreja, a Páscoa, que, apesar de nalgumas regiões do País assumir características muito especiais, como é exemplo o Minho, nem por isso se pode afirmar que no Algarve elas eram desprovidas daquele brilho, compenetradamente triste e desolador, da Semana Santa, com todas as suas procissões e rituais religiosos que há séculos lhe andam ligados.
No Algarve a festa pascal apresenta algumas diferenças etnográficas entre a serra e o litoral. No interior, onde as populações rurais viviam com maior dificuldade, e muitas vezes sem o apoio religioso minimamente indispensável, apenas prevalecia a prática do jejum nos dias santificados e a realização de pequenos bailes no terreiro da igreja no próprio Domingo de Páscoa. Nesse dia comia-se um pouco melhor, geralmente uma peça de carne de porco, carneiro ou, no pior dos casos, um frango; os doces só se faziam nas casas abastadas e resumiam-se à tradicional doçaria de amêndoa e figo. No litoral, a tradição era bastante mais rica. Faziam-se procissões na Semana Santa, pagavam-se as promessas, guardava-se jejum nos dias próprios, faziam-se oferendas, etc... No Domingo de Páscoa davam-se grandes festas nas casas ricas dos comerciantes e industriais, comia-se borrego ou carneiro assado, reunia-se a família e realizavam-se alguns jogos tradicionais. Em matéria de doçaria faziam-se os folares de mel, bolos finos de amêndoa delicadamente decorados, bebiam-se vinhos generosos das regiões de Lagos e Tavira, para além dos acostumados bailes nas sociedades recreativas e clubes populares.
A procissão das Tochas
No âmbito destas tradições, profundamente religiosas, assume particular destaque a Procissão das Tochas realizada, no dia de Páscoa, em S, Brás de Alportel, a qual tem na sua essência a comemoração de um dos mais heróicos acontecimentos históricos do Algarve: a expulsão pela confraria dos moços solteiros das tropas inglesas comandadas pelo duque de Essex, que em Julho de 1596 saquearam a cidade de Faro e o seu termo. A procissão percorre as ruas da vila enquanto o povo acompanhante grita em uníssono: «Aleluia. Cristo ressuscitou como disse, aleluia, aleluia, aleluia». No final, as “tochas”, que consistem em simples hastes coloridamente decoradas com flores, são prostradas na calçada formando um vasto tapete florido sobre o qual o sacerdote caminha ao mesmo tempo que empunha o Santíssimo. Em seguida, o prior celebra uma missa campal à qual assistem milhares de fiéis, na mais completa devoção. Ultimamente tem-se realizado um concurso para apuramento das mais belas tochas da procissão, o que se acentua apenas por constituir uma estratégia para a conservação do património etnográfico daquela bela e acolhedora vila serrana.
Em suma, as tradições da Páscoa Algarvia sempre foram ténues e hoje são quase inexistentes, à parte uma ou outra procissão da Semana Santa, que ainda se realiza em Faro, e a tão celebrada Procissão das Tochas, em S. Brás de Alportel, à qual nos referimos já nestas colunas.
(artigo publicado no «Diário de Notícias» em 22-04-1984)
Desenraizado das tradições histórico-etnográficas, o Algarve bem se pode queixar do seu turismo estereotipado, que paulatinamente lhe foi esbatendo a riqueza do seu folclore e a fé das suas seculares manifestações religiosas. Deste modo se foram perdendo muitas procissões e romarias, algumas até de carácter profano, que hoje não só lhe dariam uma certa homogeneidade cultural, como ainda por certo constituiriam um forte atractivo turístico na região. E não se pense que o fraco espírito religioso dos Algarvios é hoje o mesmo dos seus antepassados, pois que o contrario se atesta pelas largas dezenas de templos que cobrem a orla litoral. Aliás, outra coisa não seria de esperar numa região totalmente virada para o mar, histórica e economicamente dependente das fainas marítimas, que desde sempre foram temerariamente exercidas por frágeis embarcações a remos ou à vela, de entre as quais se destaca o tradicional e famoso caíque de Olhão, que após a revolta contra os Franceses atravessou em 1808 o Atlântico e para dar tão heróica boa-nova à Família Real, então refugiada no Brasil.
As próprias armações do atum, que nesta província tornaram universalmente conhecidas e apreciadas as nossas conservas (já hoje inexistentes devido ao afastamento dos tunídeos da costa algarvia), foram em tempos alvo de manifestações religiosas interessantíssimas, às quais quase sempre não era estranha a presença do Bispo da diocese. Certas cidades como Tavira, Faro, Portimão e Lagos tiveram em tempos várias procissões anuais que atraíam às sedes dos concelhos muitos milhares de fiéis, algumas das quais espontaneamente organizavam feiras, tudo contribuindo em larga escala para o engrandecimento do comércio local. Mas o progresso foi delapidando as tradições e a religiosidade do povo (materializado por outros ideais talvez menos consentâneos à nossa gente), encerrando-se as igrejas, votando-as ao abandono e à ruína, ao mesmo tempo que as manifestações de âmbito nacional perdiam igualmente o seu carácter conglomerante de outrora.
Do jejum ao baile no terreno das igrejas
Nesta ordem de ideias se encontra a festa principal da Igreja, a Páscoa, que, apesar de nalgumas regiões do País assumir características muito especiais, como é exemplo o Minho, nem por isso se pode afirmar que no Algarve elas eram desprovidas daquele brilho, compenetradamente triste e desolador, da Semana Santa, com todas as suas procissões e rituais religiosos que há séculos lhe andam ligados.
No Algarve a festa pascal apresenta algumas diferenças etnográficas entre a serra e o litoral. No interior, onde as populações rurais viviam com maior dificuldade, e muitas vezes sem o apoio religioso minimamente indispensável, apenas prevalecia a prática do jejum nos dias santificados e a realização de pequenos bailes no terreiro da igreja no próprio Domingo de Páscoa. Nesse dia comia-se um pouco melhor, geralmente uma peça de carne de porco, carneiro ou, no pior dos casos, um frango; os doces só se faziam nas casas abastadas e resumiam-se à tradicional doçaria de amêndoa e figo. No litoral, a tradição era bastante mais rica. Faziam-se procissões na Semana Santa, pagavam-se as promessas, guardava-se jejum nos dias próprios, faziam-se oferendas, etc... No Domingo de Páscoa davam-se grandes festas nas casas ricas dos comerciantes e industriais, comia-se borrego ou carneiro assado, reunia-se a família e realizavam-se alguns jogos tradicionais. Em matéria de doçaria faziam-se os folares de mel, bolos finos de amêndoa delicadamente decorados, bebiam-se vinhos generosos das regiões de Lagos e Tavira, para além dos acostumados bailes nas sociedades recreativas e clubes populares.
A procissão das Tochas
No âmbito destas tradições, profundamente religiosas, assume particular destaque a Procissão das Tochas realizada, no dia de Páscoa, em S, Brás de Alportel, a qual tem na sua essência a comemoração de um dos mais heróicos acontecimentos históricos do Algarve: a expulsão pela confraria dos moços solteiros das tropas inglesas comandadas pelo duque de Essex, que em Julho de 1596 saquearam a cidade de Faro e o seu termo. A procissão percorre as ruas da vila enquanto o povo acompanhante grita em uníssono: «Aleluia. Cristo ressuscitou como disse, aleluia, aleluia, aleluia». No final, as “tochas”, que consistem em simples hastes coloridamente decoradas com flores, são prostradas na calçada formando um vasto tapete florido sobre o qual o sacerdote caminha ao mesmo tempo que empunha o Santíssimo. Em seguida, o prior celebra uma missa campal à qual assistem milhares de fiéis, na mais completa devoção. Ultimamente tem-se realizado um concurso para apuramento das mais belas tochas da procissão, o que se acentua apenas por constituir uma estratégia para a conservação do património etnográfico daquela bela e acolhedora vila serrana.
Em suma, as tradições da Páscoa Algarvia sempre foram ténues e hoje são quase inexistentes, à parte uma ou outra procissão da Semana Santa, que ainda se realiza em Faro, e a tão celebrada Procissão das Tochas, em S. Brás de Alportel, à qual nos referimos já nestas colunas.
(artigo publicado no «Diário de Notícias» em 22-04-1984)
Boas caro colega Blogger!
ResponderEliminarVenho por este meio comunicar que estou a criar um Blog direccionado apenas aos Bloggers Algarvios. Sendo assim irei criar um Link para o seu blog em http://algarveblogs.blogs.sapo.pt/
caso seja possível agradecia que colocasse um link tb para o meu. Uma boa continuação! ass. João Gregório http://algarveblogs.blogs.sapo.pt/
Que Deus é êsse assim tão mau,
ResponderEliminartão cruel,tirano e sanguinário,
que se porta pior que um marau,
e mata o «filho» no Calvário ?!