José Carlos Vilhena Mesquita
O ensino em Portugal possuiu, desde as suas mais remotas origens, uma inspiração religiosa a que não era estranho o acesso que, desse modo, se veiculava para a vida eclesiástica. São por demais conhecidas as escolas monásticas ou conventuais da Idade Média, que em Alcobaça, Coimbra e Lisboa, tiveram os seus expoentes de prolixidade e sucesso, formando um corpo de magistrados, legisladores e juristas, responsáveis pela construção do Estado de direito que, paulatinamente, se ergueu no tempo e disseminou os seus valores culturais e linguísticos pelos quatros cantos do globo. A fundação dos Estudos Gerais, em que se enraizou o ensino universitário, surgiu como reflexo da necessidade de aumentar os conhecimentos e a preparação cívica daqueles que, não pertencendo à classe religiosa, se ofereciam para servir na administração pública e, principalmente, na defesa dos direitos que aos cidadãos consignavam as Ordenações do Reino.
Não restam hoje quaisquer dúvidas, nem oferece contestação afirmar-se que são intrinsecamente religiosas as origens do ensino em Portugal. E se nos primeiros tempos cabia aos Dominicanos, Beneditinos, Agostinianos e a outras ordens religiosas a missão de educar e de preparar tanto os novos quadros da Igreja como os do próprio aparelho de Estado, o certo é que a partir de meados do século XVI esse papel passou, quase exclusivamente, para as mãos dos Jesuítas. O ensino tornara-se praticamente monopólio dos inacianos, que para seu benefício e serviço fundaram a Universidade de Évora no local e edifício que ainda hoje, reabilitado e despojado dos vícios de outrora, serve os actuais objectivos de formar as gerações vindouras no espírito científico e na liberdade crítica.
O ponto de viragem estabeleceu-se no consulado do Marquês de Pombal, cuja reforma do ensino constitui a pedra basilar do nosso actual sistema. A expulsão dos Jesuítas obrigou aquele estadista a repensar toda a organização do processo educativo operando, a partir de 1759, uma reforma que tinha algumas parecenças com a administração pública, já que atribuía a todas as cidades e principais vilas do reino uma escola de «aprender a ler, escrever e contar». E neste âmbito não fez discriminações, porque não só estendeu o ensino às colónias, como até instituiu escolas públicas femininas, o que constituía uma atitude de renovação e progresso mental.
O ensino secundário, se assim se lhe pode chamar, não tinha grandes semelhanças com a actualidade, já que era uma espécie de preparatórios para a Universidade. Consistia na leccionação das cadeiras de Gramática Latina, Língua Grega, Retórica e Filosofia, para cuja efectivação se fundaram as competentes escolas nas cidades mais populosas ou nas que fossem cabeça de Comarca. A reforma só teve verdadeira concretização já no declinar do consulado pombalino, precisamente na altura em que a Universidade de Coimbra recebia os seus modernos Estatutos, verdadeiro monumento do ensino cientifico, que colocava o nosso país ao lado das nações mais progressistas da Europa. A filosofia educativa que inspirara o pombalismo fundamentava-se na criação de um ensino estatal e laico, em cuja imagem e semelhança se perfilariam, até hoje, as principais revisões do aparelho e do sistema educacional.
A partir de 1759 assistiu-se a uma lenta implementação do processo que deu origem a sucessivas colocações de professores, atribuição de novas escolas e, diga-se em abono da verdade, muita incongruência, insatisfação e algum desalento. Por isso é que só em 1773 a cidade de Faro teria, completo e preenchido, o seu quadro de professores, cujo elenco, só por curiosidade, aqui se enuncia: Ler, Escrever e Contar: António José Rodrigues; Gramática Latina: João dos Santos de Proença Capinhão; Língua Grega: Dimas Tadeu; Retórica: José Feliciano Coelho; Filosofia Racional: José Ferreira Cidade.
O ordenamento educativo do Algarve ficaria completo em 1779, mas já sob o domínio da «viradeira» que inspirou o reaccionarismo do governo mariano. Para inflectir a situação e esbarrondar o projecto pombalino, entregou-se o ensino aos conventos de religiosos existentes nas respectivas comarcas. Daí os conventos de Faro se encarregarem da Filosofia Racional e da Gramática Latina, enquanto que os franciscanos de Lagos, Portimão, Monchique, Silves e Loulé, assim como os paulistas de Tavira, asseguraram não só a Gramática Latina, como ainda a administração das primeiras letras.
Com implantação do regime liberal, constitucional e parlamentar, os objectivos pombalinos voltaram a inspirar o espírito reformista que presidiu aos novos destinos do ensino em Portugal. Em 1836, com o advento do «Setembrismo» e sob a batuta ministerial de Manuel da Silva Passos, procedeu-se ao reordenamento educativo da nação, do qual ressaltam os Liceus Nacionais, as Escolas Médico-Cirúgicas, as Escolas Politécnica de Lisboa e do Porto, o Conservatório de Arte Dramática, as Academias de Belas Artes de Lisboa e do Porto, a Escola do Exército, etc. Nunca se tinha ido tão longe numa reforma educativa. E o princípio inspirador continuava a ser o mesmo: estatal e laico, como o propusera Pombal.
Ainda assim, o Liceu de Faro só abriria as suas portas em 1849, para dois anos depois receber da Rainha D. Maria II a carta legitimadora da sua fundação. Daí por diante, assiste-se em Faro à fundação das escolas de Desenho Industrial Pedro Nunes, a Escola Primária Superior, a Escola Normal Superior, a Escola Comercial e Industrial Tomás Cabreira, o Magistério Primário, a Escola de Hotelaria e Turismo, o Instituto Politécnico e a Universidade do Algarve. Por elas passaram sucessivas gerações e nelas adquiriram a sua formação de base muitos dos principais quadros técnicos e intelectuais de que o Algarve se pode hoje orgulhar.
A par dessas escolas de grande projecção, outras existiram certamente mais humildes, mas nem por isso menos importantes. É por essa razão que não devemos esquecer, as filantrópicas iniciativas particulares (de maçons e republicanos) em torno da chamada «educação popular», de que foram exemplo os Centros Republicanos, onde pontificaram alguns vultos locais das lutas pela emancipação feminina, como Maria Veleda ou Inácia Anes Baganha; a Universidade Popular do Algarve, fundada por iniciativa do Dr. José Dentinho e propalada pelo Dr. Francisco Fernandes Lopes, na qual se pronunciaram brilhantes conferências e até se ministraram cursos livres; o Círculo Cultural de Camões, que serviu de refúgio e camuflagem a alguns elementos da «Resistance Française», como Lionel de Roulet, Heléne de Beauvoir e até mesmo sua irmã, a escritora Simone de Beauvoir, que veio a Faro proferir uma palestra a convite do Círculo; o seu sucedâneo Instituto da Alliance Française, que julgo ainda subsistir, embora com muitas dificuldades; o Círculo Cultural de Faro, que é de todos o que maiores tradições guarda de uma subtil luta pela emancipação intelectual das classes trabalhadoras contra o «Estado Novo» e o regime Salazarista, cuja fabulosa biblioteca e a própria instituição correm o risco de desaparecer na voragem do desinteresse geral; os Colégios particulares Farense e Algarve, este ainda em actividade; e, por fim, a mais recente de todas as iniciativas particulares, em benefício da educação e no espírito do ensino livre, que é a Universidade do Algarve para a Terceira Idade, que sem apoios significativos nem instalações próprias vai sobrevivendo com muitas dificuldades, razão pela qual se tornou digna do maior apreço social, não só pela sã convivência e alegre confraternização que se manifesta entre todos os alunos, como ainda pela divulgação dos conhecimentos, que de vários quadrantes científicos são ali transmitidos aos seus alunos.
Em desenvolvida análise, obviamente muito mais haveria para explanar e enaltecer neste breve rol de instituições que serviram e desenvolveram, nas suas natura limitações, a formação educativa e cultural do Algarve. Mas, em síntese, basta tocar-lhes, ainda que ao de leve, para que ressaltem da poeira dos tempos, sem que percam a patine da História.
O ensino em Portugal possuiu, desde as suas mais remotas origens, uma inspiração religiosa a que não era estranho o acesso que, desse modo, se veiculava para a vida eclesiástica. São por demais conhecidas as escolas monásticas ou conventuais da Idade Média, que em Alcobaça, Coimbra e Lisboa, tiveram os seus expoentes de prolixidade e sucesso, formando um corpo de magistrados, legisladores e juristas, responsáveis pela construção do Estado de direito que, paulatinamente, se ergueu no tempo e disseminou os seus valores culturais e linguísticos pelos quatros cantos do globo. A fundação dos Estudos Gerais, em que se enraizou o ensino universitário, surgiu como reflexo da necessidade de aumentar os conhecimentos e a preparação cívica daqueles que, não pertencendo à classe religiosa, se ofereciam para servir na administração pública e, principalmente, na defesa dos direitos que aos cidadãos consignavam as Ordenações do Reino.
Não restam hoje quaisquer dúvidas, nem oferece contestação afirmar-se que são intrinsecamente religiosas as origens do ensino em Portugal. E se nos primeiros tempos cabia aos Dominicanos, Beneditinos, Agostinianos e a outras ordens religiosas a missão de educar e de preparar tanto os novos quadros da Igreja como os do próprio aparelho de Estado, o certo é que a partir de meados do século XVI esse papel passou, quase exclusivamente, para as mãos dos Jesuítas. O ensino tornara-se praticamente monopólio dos inacianos, que para seu benefício e serviço fundaram a Universidade de Évora no local e edifício que ainda hoje, reabilitado e despojado dos vícios de outrora, serve os actuais objectivos de formar as gerações vindouras no espírito científico e na liberdade crítica.
O ponto de viragem estabeleceu-se no consulado do Marquês de Pombal, cuja reforma do ensino constitui a pedra basilar do nosso actual sistema. A expulsão dos Jesuítas obrigou aquele estadista a repensar toda a organização do processo educativo operando, a partir de 1759, uma reforma que tinha algumas parecenças com a administração pública, já que atribuía a todas as cidades e principais vilas do reino uma escola de «aprender a ler, escrever e contar». E neste âmbito não fez discriminações, porque não só estendeu o ensino às colónias, como até instituiu escolas públicas femininas, o que constituía uma atitude de renovação e progresso mental.
O ensino secundário, se assim se lhe pode chamar, não tinha grandes semelhanças com a actualidade, já que era uma espécie de preparatórios para a Universidade. Consistia na leccionação das cadeiras de Gramática Latina, Língua Grega, Retórica e Filosofia, para cuja efectivação se fundaram as competentes escolas nas cidades mais populosas ou nas que fossem cabeça de Comarca. A reforma só teve verdadeira concretização já no declinar do consulado pombalino, precisamente na altura em que a Universidade de Coimbra recebia os seus modernos Estatutos, verdadeiro monumento do ensino cientifico, que colocava o nosso país ao lado das nações mais progressistas da Europa. A filosofia educativa que inspirara o pombalismo fundamentava-se na criação de um ensino estatal e laico, em cuja imagem e semelhança se perfilariam, até hoje, as principais revisões do aparelho e do sistema educacional.
A partir de 1759 assistiu-se a uma lenta implementação do processo que deu origem a sucessivas colocações de professores, atribuição de novas escolas e, diga-se em abono da verdade, muita incongruência, insatisfação e algum desalento. Por isso é que só em 1773 a cidade de Faro teria, completo e preenchido, o seu quadro de professores, cujo elenco, só por curiosidade, aqui se enuncia: Ler, Escrever e Contar: António José Rodrigues; Gramática Latina: João dos Santos de Proença Capinhão; Língua Grega: Dimas Tadeu; Retórica: José Feliciano Coelho; Filosofia Racional: José Ferreira Cidade.
O ordenamento educativo do Algarve ficaria completo em 1779, mas já sob o domínio da «viradeira» que inspirou o reaccionarismo do governo mariano. Para inflectir a situação e esbarrondar o projecto pombalino, entregou-se o ensino aos conventos de religiosos existentes nas respectivas comarcas. Daí os conventos de Faro se encarregarem da Filosofia Racional e da Gramática Latina, enquanto que os franciscanos de Lagos, Portimão, Monchique, Silves e Loulé, assim como os paulistas de Tavira, asseguraram não só a Gramática Latina, como ainda a administração das primeiras letras.
Com implantação do regime liberal, constitucional e parlamentar, os objectivos pombalinos voltaram a inspirar o espírito reformista que presidiu aos novos destinos do ensino em Portugal. Em 1836, com o advento do «Setembrismo» e sob a batuta ministerial de Manuel da Silva Passos, procedeu-se ao reordenamento educativo da nação, do qual ressaltam os Liceus Nacionais, as Escolas Médico-Cirúgicas, as Escolas Politécnica de Lisboa e do Porto, o Conservatório de Arte Dramática, as Academias de Belas Artes de Lisboa e do Porto, a Escola do Exército, etc. Nunca se tinha ido tão longe numa reforma educativa. E o princípio inspirador continuava a ser o mesmo: estatal e laico, como o propusera Pombal.
Ainda assim, o Liceu de Faro só abriria as suas portas em 1849, para dois anos depois receber da Rainha D. Maria II a carta legitimadora da sua fundação. Daí por diante, assiste-se em Faro à fundação das escolas de Desenho Industrial Pedro Nunes, a Escola Primária Superior, a Escola Normal Superior, a Escola Comercial e Industrial Tomás Cabreira, o Magistério Primário, a Escola de Hotelaria e Turismo, o Instituto Politécnico e a Universidade do Algarve. Por elas passaram sucessivas gerações e nelas adquiriram a sua formação de base muitos dos principais quadros técnicos e intelectuais de que o Algarve se pode hoje orgulhar.
A par dessas escolas de grande projecção, outras existiram certamente mais humildes, mas nem por isso menos importantes. É por essa razão que não devemos esquecer, as filantrópicas iniciativas particulares (de maçons e republicanos) em torno da chamada «educação popular», de que foram exemplo os Centros Republicanos, onde pontificaram alguns vultos locais das lutas pela emancipação feminina, como Maria Veleda ou Inácia Anes Baganha; a Universidade Popular do Algarve, fundada por iniciativa do Dr. José Dentinho e propalada pelo Dr. Francisco Fernandes Lopes, na qual se pronunciaram brilhantes conferências e até se ministraram cursos livres; o Círculo Cultural de Camões, que serviu de refúgio e camuflagem a alguns elementos da «Resistance Française», como Lionel de Roulet, Heléne de Beauvoir e até mesmo sua irmã, a escritora Simone de Beauvoir, que veio a Faro proferir uma palestra a convite do Círculo; o seu sucedâneo Instituto da Alliance Française, que julgo ainda subsistir, embora com muitas dificuldades; o Círculo Cultural de Faro, que é de todos o que maiores tradições guarda de uma subtil luta pela emancipação intelectual das classes trabalhadoras contra o «Estado Novo» e o regime Salazarista, cuja fabulosa biblioteca e a própria instituição correm o risco de desaparecer na voragem do desinteresse geral; os Colégios particulares Farense e Algarve, este ainda em actividade; e, por fim, a mais recente de todas as iniciativas particulares, em benefício da educação e no espírito do ensino livre, que é a Universidade do Algarve para a Terceira Idade, que sem apoios significativos nem instalações próprias vai sobrevivendo com muitas dificuldades, razão pela qual se tornou digna do maior apreço social, não só pela sã convivência e alegre confraternização que se manifesta entre todos os alunos, como ainda pela divulgação dos conhecimentos, que de vários quadrantes científicos são ali transmitidos aos seus alunos.
Em desenvolvida análise, obviamente muito mais haveria para explanar e enaltecer neste breve rol de instituições que serviram e desenvolveram, nas suas natura limitações, a formação educativa e cultural do Algarve. Mas, em síntese, basta tocar-lhes, ainda que ao de leve, para que ressaltem da poeira dos tempos, sem que percam a patine da História.
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