terça-feira, 12 de março de 2019

Felipa de Sousa, algarvia condenada na Inquisição pelo "pecado nefando da sodomia"

O suplício e a humilhação pública infligidos a Felipa de Sousa, pelo horrendo Tribunal do Santo Ofício, não podem ser esquecidos, merecendo ser sempre rememorado como algo que avilta e indigna a liberdade de género, que oblitera a opção sexual, que agride a tolerância e impede a integração social, que, em suma, impossibilita o direito à diferença. Foi através do sacrifício de muitas mulheres que, como Felipa de Sousa, sofreram a opressão sexista e foram ostracizadas ou estigmatizadas devido às suas opções sexuais, que as mentalidades avançaram no sentido da tolerância, da integração e do reformismo no mundo. Felizmente, na civilização ocidental o processo histórico avançou no sentido da conquista das liberdades e direitos individuais – desde a luta do sufragismo e do feminismo até à igualdade plena de género. Todavia, é de todos sabido que ainda existem por esse mundo muitas centenas de milhões de mulheres, que se sentem privadas da sua liberdade sexual e da sua opção de género. É para essas mulheres, que nunca puderam revelar o seu desejo nem expressar livremente a sua preferência sexual, que escrevi este artigo, personificando na memória de Felipa de Sousa, uma homenagem a todas as mulheres dos cinco continentes que ainda não desfrutam do direito de poderem expressar livremente as suas afeições, as suas preferências sexuais e o livre arbítrio no amor. A 18 de Dezembro de 1591, em Salvador da Bahia – uma das mais ricas e mais prósperas cidades do Brasil –, os esbirros da Inquisição após persistente interrogatório, conseguiram obter da cristã-velha, Paula de Siqueira, de 38 anos de idade, a denúncia de haver praticado o “abominável pecado nefando” da «sodomia foeminarum», isto é, o sacrilégio da contranatura, com uma mulher de 35 anos, chamada Felipa de Sousa, natural de Tavira, no reino do Algarve. Deste modo, tão imprevisto quanto surpreendente, emergiu ao conhecimento público o primeiro caso de perseguição sexual e de condenação da prática de lesbianismo pelo Tribunal do Santo Ofício em terras de Vera Cruz. A singularidade deste tipo de flagício herético, o modo como o processo foi dirimido pelo Inquisidor, e sobretudo o facto da principal vítima ser uma mulher algarvia, de quem se ignorava a própria existência, mas que é hoje um símbolo universal da liberdade de género e da opção sexual, levou-me a escrever este trabalho, não apenas por curiosidade académica, mas também por solidariedade com os que sofrem a exclusão, o opróbrio e o estigma da diferença.



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