Gravura das Caldas de Monchique, pintada em 1812 pelo artista britânico George Landmann |
Foto dos princípios do século XX, colorida à mão. Vê-se a serra ainda muito escalavrada. |
Esta "Relação da Jornada de D. Sebastião» ao Algarve", realizada em 1573, foi primeiramente publicada na «Revista de Sciencias Militares», vol.2, de 1886, e quase um século depois, em 1984, editada em livro, com um valioso estudo introdutório do Prof. Sales Loureiro, de quem tive a honra de ser aluno e amigo pessoal.
Mas, tudo isto vinha a propósito de uma breve alusão à aldeia de Monchique, contida na «Relação» de João Cascão, a propósito da visita do Rei D. Sebastião ao Algarve, quando se encontrava hospedado em Vila Nova de Portimão. Diz o cronista a dado passo:
«Na 2ª feira 26 de janeiro [de 1573] partio El-Rei de Vila Nova [de Portimão] ás 4 horas depois da meia noite para Monchique, e são 5 légoas de caminho… Foi acompanhado sómente dos Fidalgos da guarda; no caminho vio os banhos em que muitos doentes achão remedio ás suas enfermidades. Da Villa vierão esperar huma bandeira de soldados, e alguma gente de cavalo. Ouvio missa na Igreja matriz. Depois de jantar sobio á serra a qual he em extremo alta, e em cima muito chãm e se vê della huma grande parte da terra e a Torre de Beja muy clara; andou El-Rei hum pedaço vendo-a e onde chamam Loja se deceo e esteve bebendo em huma fonte; partio para Villa Nova [de Portimão], onde chegou já de noite, e por todas as janelas avia luminárias que pareciam em extremo bem. Em cima dos muros havia barris de alcatrão acezos, e afortaleza, entrando El-Rei, fez sua salva de artilharia.»
Até aqui tudo bem. Trata-se de uma descrição da viagem, assaz curiosa, porque se percebe que D. Sebastião visitou as termas ou Caldas, ouviu missa na Matriz e subiu à Fóia, onde pôde apreciar a deslumbrante paisagem virada à costa algarvia, mas também o horizonte para nordeste, onde lobrigou a torre da cidade de Beja. A verdade é que o jovem monarca ficou tão encantado com a frescura do clima e as semelhanças ambientais de Monchique com a nobre vila de Sintra, que, segundo revela o cronista, não teve pejo em elevá-la à categoria de Vila, o que deixou enfurecida a vereação de Silves, então a mais antiga cidade do Algarve, que assim se via desapossada de avultados rendimentos e de uma importante fatia do seu território administrativo.
O episódio ficou extratado pela mão de João Cascão nos seguintes termos:
«Monchique he lugar muito fresco, tanto que dizem que pode competir com Cintra; era aldeia de Silves, porque El-Rei fez agora Villa a nomeio. A camara de Silves tomou muito a mala nomeação em Villa e vierão contra isso dar suas rasões a El-Rei, que os mandou receber pelo ouvidor da Corte.»
Foto de 1913, publicada na revista Ilustração Portuguesa relativa a uma visita de Jornalistas ingleses a Monchique. |
Não sabemos ao certo qual o desfecho final deste episódio, mas não é difícil de perceber que no regresso da jornada o Rei tenha arrefecido o deslumbramento dos prazeres da viagem, e se deixasse convencer pelo Ouvidor, que terá esclarecido o monarca sobre os prejuízos de Silves, e certamente sobre a falta de meios dos monchiquenses para sustentarem a Câmara, para a qual talvez lhe escasseassem os povoadores, os rendimentos e até os “homens-bons ou ricos-homens” para uma governação a preceito. O jovem rei D. Sebastião foi magnânimo em diversas ocasiões desta visita ao Algarve, dentre os quais é subido exemplo a elevação de Monchique à condição de Vila. Todavia, não foi capaz de cumprir e manter a palavra, nem o seu desígnio, certamente por falta de meios práticos que viabilizassem um acto de justiça, que viria a ser realizado dois séculos depois, a 16 de janeiro de 1773, por vontade do Marquês de Pombal, e beneplácito do rei D. José I.
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