Silves, e o seu castelo mourisco, em 1883 |
Fundou este Convento Dom
Fernando Coutinho, Bispo de Silves, num local que distava duas léguas da foz do
rio, dando-lhe o nome de Convento de Nossa Senhora do Paraíso por, igualmente,
assim se designar uma ermida que, antes ele mesmo, mandara construir. Em boa
verdade, o edifício do convento era pequeno e pobre, embora tivesse uma horta e
pomar, para sustento dos frades. O que de verdadeiramente importante possuía,
era uma abundante fonte, da qual jorravam todo o ano, muito fartas e salubres
águas. O tempo deu-lhe fama de sadia, a que o povo acrescentou-lhe santidade. E
a tal ponto cresceu no conceito e reputação, que por via dela tem atraído
muitas embarcações nacionais e estrangeiras, para ali fazerem as suas aguadas.
Mas a salubridade era só das
águas, porque o lugar em si era muito achacado a enfermidades, sobretudo nos
meses húmidos do inverno. Parece que as sezões e catarros que o lugar infligia
nos pobres frades, foram a causa de muitos deles se terem dali afastado para o
convento de Portimão, aonde iam à procura de lenitivo para as suas enfermidades
físicas. Apesar daquele convento de Vila Nova distar dali pouco mais de três
léguas, o certo é que o rio, outrora principal via de acesso à cidade
episcopal, estava muito assoreado e as estradas mal definidas e perigosas,
tornando-se, por isso, muito dificultosa a deslocação dos fradinhos até
Portimão.
Antiga Sé de Silves, em 1916 |
Esta decisão originou um certo
alarmismo nas gentes de Silves e das aldeias serrenhas, que trataram logo de
subscrever várias missivas a rogar que não os deixassem desamparados dos
serviços religiosos e sociais que aqueles frades tão competentemente vinham ali
prestando àquele povo, que apesar de pobre se prontificava a ajudar no sustento
e conforto dos seus queridos fradinhos. De tal modo o suplicaram, que, na
verdade, os conseguiram convencer a ficar por mais alguns anos.
Todavia, com o crescente
assoreamento do rio a cidade foi perdendo vigor económico, não só por abrandamento
das trocas comerciais, como também pelas dificuldades de abastecimento de bens
de primeira necessidade, daí resultando um crescente ermamento demográfico. As
cheias de inverno areavam os campos e entulhavam as férteis courelas do pão,
causando graves danos na agricultura. No verão as águas escasseavam para a
rega, e as que corriam nos recessos do rio, as mulheres represavam-nas para a
maceração do esparto, que usavam nas suas atividades manufatureiras, produzindo
seiras, capachos, esteiras, baraços e cordas. Mas as águas paradas, que
amoleciam o esparto, tornavam-se fétidas e com isso atraíam os mosquitos, que
ao picarem a pele dos incautos trabalhadores rurais lhes transmitiam doenças infectocontagiosas,
como o tifo, o cólera-mórbus, e outras febres sazonais, a que o vulgo chamava “sezões”.
Crónica da Provincia da Piedade, p. 209 |
Na «Crónica da Província da
Piedade» (p. 208 e ss), principal fonte de informação histórica sobre a ordem
franciscana, este triste episódio ficou exarado nos seguintes termos:
«Nam ouve entre os nossos
Frades duvida alguma; mas antes sendo todos uniformemente deste parecer, mandou
o Ministro Provincial, que então era Fr. Gonsalo de Guimaraes, a Frey Jeronymo
de Estremoz o Sande, que indo a Sylves despejasse a Casa, mandando aos Frades
que alli estavão moradores, para outros Conventos da Provincia; o que tudo se
cumprio cõ pontualidade; e no principio do mez de Julho do anno referido,
deixamos de todo o Cõvento. DE presente estão nelle os muy Religiosos Padres da
Terceira Ordem de Nosso Padre S. Francisco, os quaes, depois que nós o deixamos,
a petição de hum Rui Sylva, forão morar nelle, com grande exemplo, e edificação
da gente, como fazem em todas as terras, em que tem Casas neste Reyno.»