terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Fundação do convento Franciscano de Silves


Silves, e o seu castelo mourisco, em 1883
Ao tempo da fundação do Convento de Nossa Senhora do Paraíso, era a cidade de Silves uma urbe praticamente em ruínas, quase abandonada pelos seus antigos moradores, valendo-lhe sobremaneira a determinação régia para que os oficiais de justiça e o tribunal permanecessem ali sediados, e sem darem mostra de constrangimento. Em 1577 mudara-se a cadeira episcopal de Silves para Faro, ficando na histórica cidade – outrora capital do emirato almorávida do Gharb andaluz – apenas uns quantos Beneficiados, com a incumbência de não deixarem derruir de vez a vetusta Catedral. Dizia, o povo ignaro, que a principal causa da sua decadência provinha de uma maldição que sobre a cidade lançara o Bispo D. Álvaro Pais, “pelos desacatos e irreverências com que os moradores della o trataram”, conforme, aliás, consta da missiva dirigida ao Papa Clemente VI.
Fundou este Convento Dom Fernando Coutinho, Bispo de Silves, num local que distava duas léguas da foz do rio, dando-lhe o nome de Convento de Nossa Senhora do Paraíso por, igualmente, assim se designar uma ermida que, antes ele mesmo, mandara construir. Em boa verdade, o edifício do convento era pequeno e pobre, embora tivesse uma horta e pomar, para sustento dos frades. O que de verdadeiramente importante possuía, era uma abundante fonte, da qual jorravam todo o ano, muito fartas e salubres águas. O tempo deu-lhe fama de sadia, a que o povo acrescentou-lhe santidade. E a tal ponto cresceu no conceito e reputação, que por via dela tem atraído muitas embarcações nacionais e estrangeiras, para ali fazerem as suas aguadas.
Mas a salubridade era só das águas, porque o lugar em si era muito achacado a enfermidades, sobretudo nos meses húmidos do inverno. Parece que as sezões e catarros que o lugar infligia nos pobres frades, foram a causa de muitos deles se terem dali afastado para o convento de Portimão, aonde iam à procura de lenitivo para as suas enfermidades físicas. Apesar daquele convento de Vila Nova distar dali pouco mais de três léguas, o certo é que o rio, outrora principal via de acesso à cidade episcopal, estava muito assoreado e as estradas mal definidas e perigosas, tornando-se, por isso, muito dificultosa a deslocação dos fradinhos até Portimão.
Antiga Sé de Silves, em 1916
Face à insalubridade da cidade e ao desconforto do convento, a vida dos religiosos foi sendo cada vez mais penosa, razão pela qual chegaram mesmo a pedir para deixarem o convento, pois face à morbidez das instalações temiam pela sua própria vida. A petição foi analisada e racionalmente ponderada em Capítulo da Ordem, reunido na Sé de Évora, em 1592, cujo Provincial, Frei Pedro de Setúbal, recém-eleito, deferiu de imediato a súplica dos irmãos de Silves, ordenando o abandono da cidade e do convento.
Esta decisão originou um certo alarmismo nas gentes de Silves e das aldeias serrenhas, que trataram logo de subscrever várias missivas a rogar que não os deixassem desamparados dos serviços religiosos e sociais que aqueles frades tão competentemente vinham ali prestando àquele povo, que apesar de pobre se prontificava a ajudar no sustento e conforto dos seus queridos fradinhos. De tal modo o suplicaram, que, na verdade, os conseguiram convencer a ficar por mais alguns anos.
Todavia, com o crescente assoreamento do rio a cidade foi perdendo vigor económico, não só por abrandamento das trocas comerciais, como também pelas dificuldades de abastecimento de bens de primeira necessidade, daí resultando um crescente ermamento demográfico. As cheias de inverno areavam os campos e entulhavam as férteis courelas do pão, causando graves danos na agricultura. No verão as águas escasseavam para a rega, e as que corriam nos recessos do rio, as mulheres represavam-nas para a maceração do esparto, que usavam nas suas atividades manufatureiras, produzindo seiras, capachos, esteiras, baraços e cordas. Mas as águas paradas, que amoleciam o esparto, tornavam-se fétidas e com isso atraíam os mosquitos, que ao picarem a pele dos incautos trabalhadores rurais lhes transmitiam doenças infectocontagiosas, como o tifo, o cólera-mórbus, e outras febres sazonais, a que o vulgo chamava “sezões”.
Crónica da Provincia da Piedade, p. 209
Todas estas razões, de ordem económica, ambiental e especialmente sanitária, concorreram para que os religiosos do Convento de Nossa Senhora do Paraíso abandonassem o seu antigo cenóbio, de forma definitiva e irreversível. Não aguentavam mais o flagelo das enfermidades que continuavam a dizimar os pobres frades, sobretudo os mais idosos, levando muitos deles para os covais da sua pequenina ermida. Perante as insalubres condições do convento de Silves, o Padre Comissário Geral da Ordem de S. Francisco, Frei João Venido, autorizou em Capitulo Geral, reunido em Salamanca, a 4 de Junho de 1618, que abandonassem o local para sempre.
Na «Crónica da Província da Piedade» (p. 208 e ss), principal fonte de informação histórica sobre a ordem franciscana, este triste episódio ficou exarado nos seguintes termos:
«Nam ouve entre os nossos Frades duvida alguma; mas antes sendo todos uniformemente deste parecer, mandou o Ministro Provincial, que então era Fr. Gonsalo de Guimaraes, a Frey Jeronymo de Estremoz o Sande, que indo a Sylves despejasse a Casa, mandando aos Frades que alli estavão moradores, para outros Conventos da Provincia; o que tudo se cumprio cõ pontualidade; e no principio do mez de Julho do anno referido, deixamos de todo o Cõvento. DE presente estão nelle os muy Religiosos Padres da Terceira Ordem de Nosso Padre S. Francisco, os quaes, depois que nós o deixamos, a petição de hum Rui Sylva, forão morar nelle, com grande exemplo, e edificação da gente, como fazem em todas as terras, em que tem Casas neste Reyno.»

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Divisão militar do Algarve na primeira metade do século XIX

Mapa da divisão administrativa e militar do Algarve-Alentejo
O Algarve tinha, nos começos do século XIX, nove governadores de praças com 49 fortes e baterias devidamente equipadas com diversas peças de artilharia, assim como a tropa de que se compunham as respectivas guarnições militares. Tudo isto somava algumas centenas de homens. Porém, no tempo do general Beresford a maior parte das defesas costeiras do Algarve foram desmanteladas. Com o decorrer do tempo as circunstâncias de degradação dos equipamentos foi-se agravando, a tal ponto que – segundo o parecer de uma comissão de engenheiros, liderada por José Sande de Vasconcelos, que aqui que aqui veio inspeccioná-las – seria necessário investir 27 contos de réis para voltar a pô-las operacionais. Apesar disso, quando ocorreu a chamada “invasão do Algarve” pelas tropas do Duque da Terceira, as guarnições miguelistas da lista costeira, ainda conseguiram aproveitar alguma artilharia que daqui levaram na debandada para o Alentejo, onde reorganizaram a resistência. Assim que o exército libertador partiu para tomar Lisboa em 24 de Julho de 1833, a tropa do estropiado exército absolutista, agora sob o comando do Remexido, serviu-se dessa artilharia para atacar as cidades de Lagos e Faro, assim como a intrépida vila de Olhão, principais baluartes da causa pedrista no Algarve.
Desembarque de D. Pedro à frente do exército
libertador, na praia da Arnosa de Pampelido

A guarnição militar do Algarve era constituída pelos Regimentos de Infantaria nº 2 e 14, sediados em Lagos e Tavira, respectivamente, e ainda pelo Regimento de Artilharia nº 2, em Faro, com o respectivo Trem, onde se repararam e fundiram várias peças de médio calibre, que foram muito úteis na defesa da cidade contra as investidas das guerrilhas miguelistas, nos anos que se sucederam à Convenção de Évora Monte. Para além destas guarnições, existia também o secular Regimento de Cavalaria de Caçadores 4, sedeado em Castro Marim, e uma Companhia de Veteranos, dispersa pelas principais praças do reino do Algarve, cujo comando estava sedeado em Lagos. Em boa verdade, esta Companhia não passava de uma decrépita e mal equipa milícia territorial, composta por velhos soldados incapazes de assegurar a defesa das vilas e cidades algarvias. Um pouco melhor equipados estavam os Regimentos de Milícias de Lagos e de Tavira, embora também padecessem da falta de homens, de fardamento, de fuzis e cartuchame. O efectivo das Ordenanças no Algarve compunha-se de 14 capitanias-mores, com várias companhias de infantaria e alguma cavalaria. Mas, na realidade, serviam mais para a decoração militar em actos solenes e festivos, do que propriamente para a defesa efectiva do território.
Caricatura da luta pelo trono português entre D. Pedro
e D. Miguel, num desenho de Honoré Daumier, 1833
Por força do decreto de 26-11-1836, foi o Algarve integrado no Distrito Administrativo de Beja, na 8ª Divisão Militar, liderado por um Oficial General, com uma gratificação de 90 mil réis, um Chefe de Estado Maior e um Ajudante de Ordens, suprimindo-se o secretário e os oficiais de secretaria ao efectivo militar.
A partir de então, o Algarve passou a dispor, como guarnição permanente, de dois corpos de Infantaria e apenas um de Artilharia; uma Companhia de Veteranos dispersa pela província, comandada por Lagos, onde, aliás, também se encontrava o quartel de um dos corpos militares, além do de Tavira, e do de Artilharia em Faro, onde se instalou um novo Trem.
Remexido, o guerrilheiro do Algarve
O número de praças militares continuou a ser o mesmo. Os fortes e baterias da costa também não sofreram alteração, ainda que permanecessem abandonados, desequipados e arruinados.
Para a execução da justiça militar havia um auditor da divisão, com 40 mil réis de ordenado e uma forragem para os animais.
Em resumo, era assim que se compunha e organizava a Divisão Militar do Algarve, que desde 1762, quando o Conde de Lippe aqui chegou, não teve uma intervenção na recuperação das suas defesas marítimas, não melhorou o seu equipamento bélico, nem aumentou o efectivo militar. O Algarve, desde o século XVII, quando se preparou para a “guerra da independência”, nada tem feito para defender a sua vasta linha costeira, que permanece, ainda hoje, indefesa para suster um ataque marítimo. Não admira, por isso, que o Algarve tivesse sido escolhido pelas tropas do Duque da Terceira, em 1833, e de Sá da Bandeira, em 1846, para operar o desembarque das tropas invasoras, que implantaram o Liberalismo em Portugal.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

O ignorado e desaproveitado «HINO de SAGRES»


Em 1957, a «Casa do Algarve» promoveu um concurso de música para a criação do «Hino de Sagres», sob o alto patrocínio do empresário algarvio Libânio Correia. Com este certame pretendia-se apoiar a criação artística e incentivar o regionalismo. Além disso, vinha na esteira das pré-comemorações do V Centenário da morte do Infante D.Henrique, que se realizariam em 1960, tendo no Algarve, sobretudo no Cabo de Sagres, um dos principais palcos para a concretização daquela histórica efeméride.Nessa altura, este conceito – Regionalismo - envolvia uma forte carga nacionalista, que se traduzia no exacerbamento da paixão patriótica, através da fusão no espaço nacional das regiões do interior. O que se pretendia, neste caso, era identificar e valorizar as características etnográficas das nossas aldeias, vilas e concelhos, cujas tradições e património histórico, ressumavam o que melhor distinguia e identificava a, então designada, portugalidade.
Repare-se que o conceito de Regionalismo não se decalca na Regionalização, por ter este um sentido mais abrangente, que se prende com a afinidade geográfica e identidade cultural de determinados espaços, inseridos da unidade nacional. Mas a principal diferença entre os dois conceitos reside na proposta de administração autónoma das regiões, o que seria impensável durante o consulado salazarista.
Voltando à questão inicial. A Casa do Algarve de entre os vários trabalhos a concurso, escolheu como vencedor do «Hino de Sagres», uma belíssima peça musical, de inspiração patriótica e de glorificação dos valores históricos que enformavam o nacionalismo, tendo como figura central o Infante D. Henrique, alma mater da epopeia dos Descobrimentos.
Este interessantíssimo «Hino de Sagres», hoje esquecido, foi escrito por Mateus Moreno (1892-1970), uma grande figura da cultura algarvia, um notabilíssimo escritor, fundador da revista «Alma Nova», e militar de prestígio que combateu na I Guerra Mundial. A vida do major Mateus Moreno dava um romance, pela forma multifacetada como desenvolveu a sua acção cívica, no país e nas colónias, com algum aventureirismo à mistura, como aliás é peculiar nos portugueses, que só precisam de um cantinho para nascer, mas têm o mundo inteiro para viver.
Mateus Moreno
A composição musical do «Hino de Sagres» é da autoria da lisboeta Elvira de Freitas (1928 – 2015), notabilíssima pianista e diretora de orquestra, que para ganhar a vida optou pela docência no liceu Camões, onde desenvolveu uma profícua actividade melómana, de que muitos dos seus antigos alunos ainda hoje se recordam com saudade. É curioso que este prémio da «Casa do Algarve», patrocinado por Libânio Correia – outro algarvio esquecido –, possibilitou à pianista Elvira de Freitas entrar na carreia docente em 1957, e tornar-se numa das maiores figuras do Conservatório Nacional e, mais tarde, do Instituto Gregoriano de Lisboa.
Elvira de Freitas
Não vou aqui tecer qualquer apreciação crítica em relação aos versos de Mateus Moreno, e muito menos à música de Elvira de Freitas. O que me apetece enaltecer é o facto de naquela época se terem reunido, para compor o «Hino de Sagres», duas grandes figuras da cultura nacional, lamentando em contramão que essa peça não seja hoje conhecida, e quiçá reaproveitada para fins culturais, nomeadamente turísticos ou etnográficos.Aqui ficam as imagens da letra e da música do «Hino de Sagres», que talvez, bem aproveitado do ponto de vista turístico-cultural, ainda possa servir os interesses do município de Vila do Bispo, onde a figura do Infante D. Henrique se vislumbra e se sente ainda a rondar aquela agreste penedia do Promontório de Sagres.



quinta-feira, 25 de julho de 2019

O meu agradecimento ao autor do vídeo, «220 metros de Guadiana» e à organização das 3ªs Jornadas do Contrabando em Alcoutim, integradas no âmbito do Festival do Contrabando, realizadas a 28 de Março de 2019, cujo trailer aqui vos deixo, sobre as tradições do contrabando raiano, com breves excertos da minha palestra, legendados em língua castelhana.

https://www.youtube.com/watch?v=WX3MjhFHlYc&feature=youtu.be&fbclid=IwAR2mhhSmlysMvIqz1SfQazBdfwdAzMSAvNVRlAL3Bci6olT6ha9p04GOu3Y

terça-feira, 9 de abril de 2019

Loulé no contexto político e socioeconómico das Lutas Liberais

A inserção geográfica do Algarve, no extremo sul do território nacional, moldou a mentalidade das suas gentes e corroeu as barreiras sociais, suavizadas por um cosmopolitismo emergente do trato mercantil. Contudo, não permitiu que se emancipasse da sua inexorável condição periférica de reino integrado. O Algarve sempre foi encarado pelo poder central como uma região extremada, mas estratégica na conservação da unidade nacional. Perdê-lo seria abrir as portas à temível anexação ibérica. Na sua identidade patriótica, os algarvios sempre se esforçaram por permanecerem no seio da nação. Nos momentos cruciais da nossa história, nunca deixaram que se pusesse em causa o seu patriotismo, nem invocaram ou alimentaram qualquer pretensão separatista. E foi esse orgulho, associado ao seu apreço pela liberdade, que lhe deu alento e protagonismo no contexto político-militar da primeira metade do século XIX. O relacionamento mercantil com os empresários britânicos, as tentaculares influências maçónicas e as várias praças de guerra sediadas no Algarve, colocaram este pequeno e esquecido reino em sintonia com os tumultos sociais e pronunciamentos militares que despontaram na cidade do Porto. Tornou-se sui generis essa participação do Algarve ao lado da cidade Invicta em todo o século XIX. E esse relacionamento manteve-se permanente, imitando-lhe as atitudes e decisões.

terça-feira, 12 de março de 2019

Felipa de Sousa, algarvia condenada na Inquisição pelo "pecado nefando da sodomia"

O suplício e a humilhação pública infligidos a Felipa de Sousa, pelo horrendo Tribunal do Santo Ofício, não podem ser esquecidos, merecendo ser sempre rememorado como algo que avilta e indigna a liberdade de género, que oblitera a opção sexual, que agride a tolerância e impede a integração social, que, em suma, impossibilita o direito à diferença. Foi através do sacrifício de muitas mulheres que, como Felipa de Sousa, sofreram a opressão sexista e foram ostracizadas ou estigmatizadas devido às suas opções sexuais, que as mentalidades avançaram no sentido da tolerância, da integração e do reformismo no mundo. Felizmente, na civilização ocidental o processo histórico avançou no sentido da conquista das liberdades e direitos individuais – desde a luta do sufragismo e do feminismo até à igualdade plena de género. Todavia, é de todos sabido que ainda existem por esse mundo muitas centenas de milhões de mulheres, que se sentem privadas da sua liberdade sexual e da sua opção de género. É para essas mulheres, que nunca puderam revelar o seu desejo nem expressar livremente a sua preferência sexual, que escrevi este artigo, personificando na memória de Felipa de Sousa, uma homenagem a todas as mulheres dos cinco continentes que ainda não desfrutam do direito de poderem expressar livremente as suas afeições, as suas preferências sexuais e o livre arbítrio no amor. A 18 de Dezembro de 1591, em Salvador da Bahia – uma das mais ricas e mais prósperas cidades do Brasil –, os esbirros da Inquisição após persistente interrogatório, conseguiram obter da cristã-velha, Paula de Siqueira, de 38 anos de idade, a denúncia de haver praticado o “abominável pecado nefando” da «sodomia foeminarum», isto é, o sacrilégio da contranatura, com uma mulher de 35 anos, chamada Felipa de Sousa, natural de Tavira, no reino do Algarve. Deste modo, tão imprevisto quanto surpreendente, emergiu ao conhecimento público o primeiro caso de perseguição sexual e de condenação da prática de lesbianismo pelo Tribunal do Santo Ofício em terras de Vera Cruz. A singularidade deste tipo de flagício herético, o modo como o processo foi dirimido pelo Inquisidor, e sobretudo o facto da principal vítima ser uma mulher algarvia, de quem se ignorava a própria existência, mas que é hoje um símbolo universal da liberdade de género e da opção sexual, levou-me a escrever este trabalho, não apenas por curiosidade académica, mas também por solidariedade com os que sofrem a exclusão, o opróbrio e o estigma da diferença.



segunda-feira, 4 de março de 2019

A "Banha da Cobra" - uma patranha com história

Entende-se por “Banha da Cobra” tudo aquilo que sendo um simples placebo, isto é, inócuo e inútil, se difunde e propaga publicamente como algo comprovadamente eficaz, seguro, poderoso e miraculosamente infalível. Para os lexicólogos significa algo que se publicita ou anuncia para endrominar incautos; um palavreado com o velado propósito de enganar os outros; uma proposta ou promessa de que não existe intenção de cumprir. Em suma, uma mentira, uma trapaça, um ludíbrio, uma vigarice. Hoje a expressão “banha da cobra” é usualmente empregue de modo pejorativo. E o "vendedor de banha da cobra" identifica alguém que é mentiroso, charlatão e de falsa índole. A banha da cobra é sempre a mesma, porque o prazer psicótico da fraude não se refreia perante a ganância de lucros tão arrebatadores. O que muda é a embalagem, isto é, o design e o marketing, porque a finalidade é sempre a mesma, sendo inclusivamente comum à mensagem hipocrática: submeter a dor e o sofrimento, vencer a doença. A diferença é que os charlatães visam apenas o lucro pelo embuste, enquanto os médicos e a medicina validam a ciência no confronto com a doença e o padecimento, na quimérica ilusão de triunfarem sobre a morte.