Poucos
serão os que no Algarve conheceram ou já ouviram falar de João Henrique dos
Santos, um dos muitos portugueses que no vórtice da República e dos seus
conturbados anos de instabilidade revolucionária, emigrou para o Brasil. Muito
menos sabem que desfrutou da reputação de homem culto, sério e ilustrado –
considerado uma autoridade no foro brasileiro, uma espécie de Séneca dos tempos
modernos. Os seus dotes de oratória, aliada a uma sólida erudição, permitiram-lhe
granjear a glória de ter sido figura de proa, e de referência, no mundo
académico do seu tempo. Não obstante tudo isso, pode bem dizer-se que é mais um
dos muitos algarvios que no século passado foi alguém, com notável prestígio
social e académico, mas que hoje, perante o desprezo e a ignorância das novas gerações,
dorme o sono eterno nas brumas da omissão e do esquecimento.
À imagem do protótipo emigrante português de além-mar, foi competente, honesto e leal. Trabalhou muito e produziu melhor, tanto como professor universitário como, sobretudo, como homem público e publicista, fazendo da palavra escrita a sua enxada de vida. Escreveu prolixamente para os jornais, reservando a centelha da sua inteligência para os livros que deu à estampa no Brasil, sobre diversas temáticas, com especial realce para a Filologia e para o Direito.
À imagem do protótipo emigrante português de além-mar, foi competente, honesto e leal. Trabalhou muito e produziu melhor, tanto como professor universitário como, sobretudo, como homem público e publicista, fazendo da palavra escrita a sua enxada de vida. Escreveu prolixamente para os jornais, reservando a centelha da sua inteligência para os livros que deu à estampa no Brasil, sobre diversas temáticas, com especial realce para a Filologia e para o Direito.
João Henrique dos
Santos, nasceu em Faro, mais propriamente na aldeia de Santa Bárbara de Nexe,
em 2-8-1884, num lar modesto de família pobre, mas honesta e trabalhadora. Os
pais não tendo melhores recursos, mas cientes da inteligência do filho, anuíram
aos conselhos do seu professor primário, no sentido de prosseguir os estudos no
Seminário de São José, em Faro. Senão seguisse a vida eclesiástica adquiria,
pelo menos, uma educação que lhe permitisse superar os desafios da vida. Não
lhe foi difícil vencer os obstáculos sociais das suas humildes origens, impondo-se
e distinguindo-se no ambiente austero do seminário pelo seu génio intelectual e
pelas suas qualidades humanas.
O
apelo de Cristo foi, porém, mais forte, e o jovem João Henrique aceitou os
votos sagrados, ordenando-se presbítero com outros companheiros do seminário,
em cerimónia de júbilo e pompa religiosa, celebrada na Sé Catedral de Faro. Decorria
então o tempo da Carbonária, das bombas e dos atentados republicanos, cujo
exemplo principal foi o assassinato do Rei, no fatídico 1º de Fevereiro de
1908, a que se seguiu dois anos depois a implantação da República. Nessa altura
ser padre era prova de coragem e de convicção religiosa, até mesmo nas
recônditas e ignoradas aldeias algarvias que João Henriques paroquiou, até assentar
arraiais na pequena freguesia do Azinhal, no concelho de Castro Marim, onde foi
sempre lembrado e estimado.
Sequioso de tudo conhecer e compreender, dedicou-se à leitura e à formação de uma biblioteca pessoal, mostrando-se muito interessado no estudo histórico das línguas latinas, da nossa primordial literatura e do direito civil. Começou então a escrever para o público, primeiramente uns pequenos folhetos, depois um sermão e, por fim, nos órgãos da imprensa regional algarvia. Nos princípios do séc. XX, fundou e dirigiu, em parceria com o então tenente José Francisco Guerreiro Fogaça, o semanário católico «Correio do Algarve», sediado em Lagos, ao tempo considerado como dos mais notáveis órgãos da imprensa algarvia. O espírito aguerrido e polémico do padre João Henrique, a sua demolidora e vituperina crítica política, inspirada no seu homólogo José Agostinho de Macedo, transmitiu-se às colunas do jornal, granjeando-lhe fama e prestígio.
Sequioso de tudo conhecer e compreender, dedicou-se à leitura e à formação de uma biblioteca pessoal, mostrando-se muito interessado no estudo histórico das línguas latinas, da nossa primordial literatura e do direito civil. Começou então a escrever para o público, primeiramente uns pequenos folhetos, depois um sermão e, por fim, nos órgãos da imprensa regional algarvia. Nos princípios do séc. XX, fundou e dirigiu, em parceria com o então tenente José Francisco Guerreiro Fogaça, o semanário católico «Correio do Algarve», sediado em Lagos, ao tempo considerado como dos mais notáveis órgãos da imprensa algarvia. O espírito aguerrido e polémico do padre João Henrique, a sua demolidora e vituperina crítica política, inspirada no seu homólogo José Agostinho de Macedo, transmitiu-se às colunas do jornal, granjeando-lhe fama e prestígio.
Emigrantes portugueses à espera de barco para o Brasil |
A ida para o Brasil foi uma decisão
duplamente acertada, porque se destinava a alcançar uma merecida segunda
oportunidade, não só do ponto de vista civil como também política, pois que
João Henrique foi sempre um fervoroso monárquico. O Brasil, a partir do séc.
XVIII com o chamariz da mineração aurífera, tornou-se para os portugueses numa
espécie de terra prometida, um novo Jardim do Éden para onde partiam uns à
procura de fortuna, outros de glória e, a maioria, buscando construir uma nova
vida, sem peias nem máculas. Na segunda metade do século XIX, muito depois de
consumada a independência daquela antiga colónia, numa fase em que arrancava a
todo o vapor a Revolução Industrial, retomaram os portugueses a rota do Brasil,
já não atraídos pelo ouro, mas antes pelo café, algodão, cacau, e, por fim
pelos seringais da borracha. Dos principais portos da Europa levantam ferro
grandes vapores, pejados de emigrantes pobres, de perseguidos religiosos, de
presidiários, de proscritos, degredados, exilados, enfim, uma turbamulta desejosa
de alcançar uma nova oportunidade de vida. E essa nova esperança de vida estava
à sua espera nos campos férteis do Novo Mundo, desde o Alasca até às Pampas. A
revolução industrial e o capitalismo agrário, desenvolveu-se e implementou-se
na América, através da importação de grandes contingentes obreiros,
transvasados da Europa e da Ásia, para construírem aquilo que mais tarde se
designaria como “sonho americano”.
Planta antiga da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul |
Assim
que se fixou no Brasil a vida de João Henriques sofreu uma mudança completa e
profunda. Começou a estudar, e com tal sucesso que em breve estava licenciado
em Direito. Tomou então mais uma decisão radical: naturalizou-se cidadão
brasileiro. A vida eclesiástica e o seu Algarve natal ficavam assim
definitivamente para trás, de tal forma que não mais voltaria à pátria.
Fixou
a sua residência definitiva na Rua Carlos von Koseritz, nº 77, em Porto Alegre,
no Rio Grande do Sul, e abriu escritório de advogado. Rapidamente fez amigos e
alcançou fama de proficiente jurisconsulto, tendo na colónia residente de
portugueses o grosso da sua clientela. Para complemento de vida dedicou-se
também à docência, primeiro no ensino secundário, leccionando francês e latim,
e depois no universitário, regendo as disciplinas de filologia românica e
literatura clássica greco-latina. No ensino superior granjeou prestígio entre
os seus alunos, que tinham pelos seus dotes de oratória e sólida erudição, uma profunda
admiração. A isso foi sensível a Casa de Portugal no Brasil, que por várias
vezes o elegeu para os seus corpos socias, tendo-lhe, posteriormente, dedicado uma
sentida homenagem pública, através do descerramento do seu busto no salão-nobre
daquela instituição, para admiração e veneração futura da sua memória
Antiga rua dos Andrades, em Porto Alegre, cidade fundada por portugueses no Rio Grande do Sul |
Como
publicista pode dizer-se que o Prof. João Henrique colaborou em todos os
jornais e revistas da imprensa do Rio Grande do Sul, e de outros estados
brasileiros. Os assuntos a que dedicou maior atenção intelectual, foram os que ao
tempo mais preocupavam o desenrolar das ciências jurídicas, do Direito e da
Filologia. Sei que nessas áreas publicou dezenas de artigos científicos, que
depois saíram em separata, infelizmente de reduzido número para a circulação
pública, o que as torna hoje espécimes bibliográficos muito raros e valiosos.
De entre a sua vastíssima lista de obras
merecem especial referência os livros Filologia
Jurídica, editado em 1934 e Direito
Romano, um verdadeiro tratado em dois volumes, publicado em 1938. No
entanto, também publicou outros trabalhos de grande interesse científico, como
por exemplo a Doação Mortis Causa no
Direito Romano; a Pontuação na
Escrita – sua história e seu emprego; o Latim
e a formação das línguas românicas; Roma
pagã - suas instituições, usos e costumes; O casamento perante o Direito Romano; O operariado e a legislação romana; Axiomas do Direito Romano, Culto
dos Césares, Gramática Latina, Origem e significação dos nomes das pessoas,
e vários outros livros, que se tornaria enfadonho citar.
Faculdade de Direito na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
|
Acima de tudo o Dr. João Henrique Santos foi
um dos mais famosos professores universitários do Brasil, um incansável
investigador do Direito e da Linguística, um profundo conhecedor e inveterado
estudioso das línguas e das literaturas clássicas.
Era casado com D. Ana Faria Henrique e pai de
David Faria Henrique, conhecido jornalista brasileiro. Era irmão de D. Maria do
Carmo Henrique, que residiu em
Santa Bárbara de Nexe, de D. Adelina Henrique da Cruz, que
vivia em S. Paulo ,
de D. Alexandrina Henrique de Brito que residia no Rio de Janeiro, e de Artur
Henrique, que foi um conhecido capitão da marinha mercante brasileira.
O
Prof. João Henriques Santos, faleceu em Porto Alegre, Estado do Rio Grande do
Sul, no Brasil, a 7-1-1952, com 67 anos de idade.
Dado
que se trata de um notável cidadão farense, cuja memória o tempo se encarregou de obliterar ao conhecimento das novas gerações, propus numa das recentes
reuniões da comissão de Toponímia do Município de Faro, à qual tenho a honra de
pertencer, que fosse atribuído nome do Prof. João Henrique dos Santos a uma das
artérias da cidade, o que foi aceite, e, mais tarde, cumprido. Ficou, assim,
reconhecida a gratidão dos seus conterrâneos farenses, prestada em derradeira
homenagem, a um grande vulto da cultura luso-brasileira.
José Carlos Vilhena Mesquita