O vocábulo cenotáfio vem do étimo grego Kenotaphion, que presumo
ter dado origem em Latim à palavra Coenotaphium, que significa túmulo ou
monumento sepulcral, erigido em memória de alguém, cujos restos mortais não se
encontram nele depositados. Existe na Sé de Faro um cenotáfio, isto é, um
túmulo vazio, mandado construir pelo Bispo do Algarve D. António
Pereira da Silva, que governou a diocese entre 1704 e 1715. Era seu desejo
repousar para sempre na antiga Capela do Santo Lenho da Sé de Faro, mas
circunstâncias alheias à sua vontade goraram o seu desejo, ficando sepultado
na cripta episcopal. O seu artístico mausoléu transformou-se
assim num cenotáfio, o único existente no Algarve.
Este Blog, da autoria de José Carlos Vilhena Mesquita, constitui um repositório de trabalhos publicados em diferentes suportes e plataformas (jornais, livros, conferências, congressos, etc), a maioria dos quais são hoje difíceis de consultar nas suas fontes originais. Por outro lado, pretende-se criar uma via de ligação e de comunicação com diferentes públicos, sendo certo que o preferencial alvo são os alunos universitários, para os quais remeto a leitura dos textos contidos neste Blog.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
quinta-feira, 19 de janeiro de 2017
Descrição da cidade de Faro, em contraposição à vila de Loulé, para sede do Tribunal da Relação do Algarve.
Nos finais de 1827, o governo da Regência da Infanta D.ª
Isabel Maria de Bragança, decidiu fazer uma nova divisão do território
nacional, ou seja, uma reforma da estrutura administrativa e um novo
reordenamento da justiça em Portugal. É claro que estas reformas surgiam na esteira
dos novos ventos do liberalismo, que assolavam praticamente toda a Europa. O
problema é que essas reformas surgiam pela mão de burocratas e políticos
ignorantes, incapazes de avaliarem a realidade social e económica das
populações que compunham o território nacional.
Panorâmica da cidade de Faro, nos finais do séc. XIX. |
Nesse projecto de lei surgia a escolha da vila de Loulé para sede do Tribunal
da Relação do Algarve, em detrimento da cidade de Faro, que seria a escolha
mais óbvia. Naturalmente havia nisto alguma influência política, o que levou o
deputado Rodrigo de Sousa Castello Branco, representante do Algarve no
parlamento, a insurgir-se contra essa escolha/decisão, sustentando a
preferência de Faro em detrimento daquela vila algarvia. Para o efeito teceu em
pleno parlamento uma descrição comparativa das potencialidades que as
distinguiam e diferenciavam, sustentando que a escolha deveria recair em Faro:
por ser mais rica, mais comercial, mais culta e mais provida de serviços
públicos, além de ser a sede do bispado e, por isso, tida como a capital religiosa
de todo o reino do Algarve. Em face do interesse histórico, passamos a
transcrever a sua apreciação argumentativa, conservando-lhe a grafia original:
«Faro, cidade rica e commerciante, Capital Ecclesiastica do Algarve, centro de
concorrencia de todos os povos da Provincia, he precisamente o local que convem
para o assento da nova Relação. O provinciano vai a Faro de terras muito
distantes fazer alli provimentos para as suas lojas e para generos e fazendas
precisas ao seu proprio consumo; vai outro a Faro tratar negocios no Juizo
Ecclesiastico que alli se acha estabelecido; outro vai tratar sobe as pingues
rendas da Mitra e Cabido que abrangem todas as terras do Algarve. Por esta
forma, Faro he ponto de concorrencia de muita gente de todo aquelle reino:
acha-se alli com facilidade quem forneça os dinheiros precisos sobre ordens ou
letras que para isso se apresentam e que melhor pode escolher-se no Algarve
para assento da Relação?»
Foto da rua principal de Loulé, frente ao mercado municipal, que presumo datar dos inícios do século XX. |
Por outro lado, acrescentava que a vila de Loulé «absolutamente não convém,
porque não ha para lá correspondencias algumas, he uma terra de sertão, sem
commercio, sem offerecer motivo de concorrencia e portanto quem alli for tratar
de huma demanda irá a isso, mas só a isso, e então quanta deficuldade de
encontrar alli dinheiros! He huma terra de proprietarios, entre estes alguns ha
ricos de bens, porém pobres de dinheiro; não ha capitalistas nem negociantes.
Por conseguinte optando entre Faro e Loulé a preferencia he inquestionavelmente
devida a Faro».
Os argumentos do deputado Rodrigo de Sousa Castello Branco, foram ouvidos e
votados favoravelmente na sessão parlamentar de 19-1-1828, decidindo-se que
passariam a existir sete províncias e seis Relações de Justiça, sendo aprovado
que o Tribunal da Relação do Algarve ficaria sediado em Faro e não em Loulé. A
«Gazeta de Lisboa», nº 18 de 21-2-1828, publicou o projecto de criação da nova
reforma administrativa, que julgo não chegou propriamente a entrar em vigor,
pois que a Regência da Infanta Dª Isabel Maria de Bragança cessaria logo depois
em 26 de Fevereiro de 1828, não tardando a chegar D. Miguel que pelas cortes de
11 de Julho de 1828 seria entronizado rei de Portugal. Iniciava-se o período da
usurpação e das perseguições políticas contra os defensores do liberalismo de
que resultaria um forte surto emigratório para a Europa e por fim para os
Açores, onde os liberais concentrariam força para organizar a resistência e
formar o “exército libertador”, que desembarcado na cidade do Porto deu
sustento à guerra civil de 1832-34. Para o desfecho das lutas civis e
consequente vitória da causa liberal muito contribuiu o Algarve, cuja posição
geo-estratégica justificaria a sua invasão pelas tropas do Duque da Terceira,
que não encontrando oposição reorganizaria as suas forças e daqui tomaria a estrada
para Lisboa onde entraria vitorioso no dia 24 de Julho de 1834.
Não obstante o decurso do tempo nem o desenrolar da
história, creio que se fosse hoje a escolha de Faro em detrimento de Loulé,
embora não ofereça dúvidas, também não seria pacífica nem livre de polémica.
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NÓTULAS DE HISTÓRIA DO ALGARVE
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