quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Descrição da cidade de Faro, em contraposição à vila de Loulé, para sede do Tribunal da Relação do Algarve.


Nos finais de 1827, o governo da Regência da Infanta D.ª Isabel Maria de Bragança, decidiu fazer uma nova divisão do território nacional, ou seja, uma reforma da estrutura administrativa e um novo reordenamento da justiça em Portugal. É claro que estas reformas surgiam na esteira dos novos ventos do liberalismo, que assolavam praticamente toda a Europa. O problema é que essas reformas surgiam pela mão de burocratas e políticos ignorantes, incapazes de avaliarem a realidade social e económica das populações que compunham o território nacional.
Panorâmica da cidade de Faro, nos finais do séc. XIX.
Nesse projecto de lei surgia a escolha da vila de Loulé para sede do Tribunal da Relação do Algarve, em detrimento da cidade de Faro, que seria a escolha mais óbvia. Naturalmente havia nisto alguma influência política, o que levou o deputado Rodrigo de Sousa Castello Branco, representante do Algarve no parlamento, a insurgir-se contra essa escolha/decisão, sustentando a preferência de Faro em detrimento daquela vila algarvia. Para o efeito teceu em pleno parlamento uma descrição comparativa das potencialidades que as distinguiam e diferenciavam, sustentando que a escolha deveria recair em Faro: por ser mais rica, mais comercial, mais culta e mais provida de serviços públicos, além de ser a sede do bispado e, por isso, tida como a capital religiosa de todo o reino do Algarve. Em face do interesse histórico, passamos a transcrever a sua apreciação argumentativa, conservando-lhe a grafia original:
«Faro, cidade rica e commerciante, Capital Ecclesiastica do Algarve, centro de concorrencia de todos os povos da Provincia, he precisamente o local que convem para o assento da nova Relação. O provinciano vai a Faro de terras muito distantes fazer alli provimentos para as suas lojas e para generos e fazendas precisas ao seu proprio consumo; vai outro a Faro tratar negocios no Juizo Ecclesiastico que alli se acha estabelecido; outro vai tratar sobe as pingues rendas da Mitra e Cabido que abrangem todas as terras do Algarve. Por esta forma, Faro he ponto de concorrencia de muita gente de todo aquelle reino: acha-se alli com facilidade quem forneça os dinheiros precisos sobre ordens ou letras que para isso se apresentam e que melhor pode escolher-se no Algarve para assento da Relação?»
Foto da rua principal de Loulé, frente ao mercado municipal,
que presumo datar dos inícios do século XX.
Por outro lado, acrescentava que a vila de Loulé «absolutamente não convém, porque não ha para lá correspondencias algumas, he uma terra de sertão, sem commercio, sem offerecer motivo de concorrencia e portanto quem alli for tratar de huma demanda irá a isso, mas só a isso, e então quanta deficuldade de encontrar alli dinheiros! He huma terra de proprietarios, entre estes alguns ha ricos de bens, porém pobres de dinheiro; não ha capitalistas nem negociantes. Por conseguinte optando entre Faro e Loulé a preferencia he inquestionavelmente devida a Faro».
Os argumentos do deputado Rodrigo de Sousa Castello Branco, foram ouvidos e votados favoravelmente na sessão parlamentar de 19-1-1828, decidindo-se que passariam a existir sete províncias e seis Relações de Justiça, sendo aprovado que o Tribunal da Relação do Algarve ficaria sediado em Faro e não em Loulé. A «Gazeta de Lisboa», nº 18 de 21-2-1828, publicou o projecto de criação da nova reforma administrativa, que julgo não chegou propriamente a entrar em vigor, pois que a Regência da Infanta Dª Isabel Maria de Bragança cessaria logo depois em 26 de Fevereiro de 1828, não tardando a chegar D. Miguel que pelas cortes de 11 de Julho de 1828 seria entronizado rei de Portugal. Iniciava-se o período da usurpação e das perseguições políticas contra os defensores do liberalismo de que resultaria um forte surto emigratório para a Europa e por fim para os Açores, onde os liberais concentrariam força para organizar a resistência e formar o “exército libertador”, que desembarcado na cidade do Porto deu sustento à guerra civil de 1832-34. Para o desfecho das lutas civis e consequente vitória da causa liberal muito contribuiu o Algarve, cuja posição geo-estratégica justificaria a sua invasão pelas tropas do Duque da Terceira, que não encontrando oposição reorganizaria as suas forças e daqui tomaria a estrada para Lisboa onde entraria vitorioso no dia 24 de Julho de 1834.
Não obstante o decurso do tempo nem o desenrolar da história, creio que se fosse hoje a escolha de Faro em detrimento de Loulé, embora não ofereça dúvidas, também não seria pacífica nem livre de polémica.

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